É talvez lastimável que tenham de ser as razões imperiosas do défice das contas públicas a realizar a missão de reestruturar o poder autárquico em Portugal; pode também detestar-se a imagem política dos actuais titulares das pastas da administração interna e dos assuntos parlamentares (como acontece comigo) – apesar disto, parece-me que as linhas de reforma entrevistas, já depois de debatido o conteúdo do Livro Verde sobre a matéria, vão na direcção desejável.
É sabido que os interesses criados pelos políticos locais e algumas expressivas identidades comunitárias territoriais (bairrismos, regionalismos, etc.) sempre oporiam forte resistência a qualquer alteração do mapa autárquico. E que a dinâmica do desenvolvimento sócio-económico há-de sempre ir exigindo ajustamentos dessa quadrícula, com novas unidades e modelos de gestão nos pólos mais activos e, pelo contrário, fundindo e alargando a área das freguesias nas zonas urbanas ou rurais em declínio e desertificadas, tendo neste último caso de se atender à extensão do território abrangido e às facilidades de comunicação e transporte aí existentes. Um problema semelhante, aliás, ao da cobertura do país em equipamentos e recursos públicos de saúde, educação ou segurança.
Assim, além do controlo financeiro e administrativo para travar a irresponsabilidade e o populismo de algum poder autárquico, a transferência (esvaziamento) de competências suas em favor de entidades supra-municipais parece ser o caminho politicamente mais inteligente para a reforma, em vez da simples extinção/fusão (apesar de tudo inevitável em muitos casos). Sobretudo se, além da concentração e racionalização dos meios, essas novas entidades forem de natureza essencialmente administrativa (funcionários), apenas acompanhadas por um forum político composto pelos eleitos locais aí integrados. De resto, esse seria provavelmente o melhor esquema para o processo de regionalização, sucessivamente adiado: em vez de vintena-e-meia de comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas, teríamos então cinco ou seis regiões sem novos políticos eleitos, embora sujeitas ao controlo dos respectivos colégios de presidentes de câmara, que se reuniriam em plenário apenas duas ou três vezes por ano para aprovar os documentos essências para a governação da região e a composição e actuação do órgão executivo.
Para isto é indispensável, no actual panorama partidário, o acordo do PS, bem como o respeito pelas posições detidas pelo PCP. Tendo essa concordância já sido obtida (ao que parece) no que toca ao modelo de governação municipal e ao seu financiamento, seria bom que os socialistas prescindissem de fazer desta questão da reforma da administração local mais um tema de combate oposicionista, e que resistissem ao eventual lobby de interesses dos seus autarcas. Tal como será importante perceber até que ponto a coligação de governo será capaz de impor às “bases laranja” uma solução mais barata, eficaz e transparente, que possa ser reconhecida, apreciada e praticada pelas populações residentes.
Neste sentido, quando se chegar ao momento de mexer nos órgãos de governo local, simplificando-os, seria bom não esquecer de contemplar o direito à participação directa dos habitantes em certas matérias bem especificadas, por via do referendo local, do “orçamento participativo” ou da iniciativa legislativa popular.
JF / 3.Fev.2012
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