Há um século o governo provisório da República publicou a lei de separação da Igreja (católica) do Estado.
Até então, o clero estava em parte integrado na constituição política do Estado, embora gozando de uma larga autonomia, que incluía, entre outros privilégios, o de os seus membros acusados de crimes comuns serem julgados nos tribunais eclesiásticos (como os militares em tribunais castrenses). Mas o governo intervinha na nomeação dos bispos, as dioceses e paróquias eram parcialmente sustentadas pelo orçamento público e a Igreja católica fazia parte do aparelho de administração pública, ocupando-se do registo civil, de uma parte do ensino secundário e da universidade, além da quase totalidade da assistência social, por intermédio das Misericórdias e outras instituições caritativas.
O livro de Luís Salgado de Matos 'A Separação do Estado e da Igreja: Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo' vem agora iluminar, com base em vasta investigação historiográfica, muita dessa trama que, em boa medida, selou o destino do nosso primeiro regime republicano. Nele se moderam e complexificam as relações entre as várias partes e facções em desacordo ou conflito, tal como a oposição republicana anti-fascista, de um lado, e o salazarismo, de outro, nos “pintaram” esse quadro, durante várias décadas; ou seja: com um Afonso Costa definitivamente “mata-padres” e um envolvimento total do clero na reacção anti-liberal que gerou a ditadura de 1926 em diante.
Através desta análise, aparecem evidenciadas as diferentes posições existentes no campo republicano, nomeadamente entre as elites e “povo”, bem como no campo católico, sendo mesmo surpreendentes as divergências observadas entre os párocos, o episcopado e o Vaticano, e também entre diferentes casas do clero secular.
Em todo o caso, permanece viva a ideia de que a “questão religiosa” foi, de facto, um dos principais factores de dificuldade para a afirmação do regime republicano em Portugal e que bem avisados andaram os dirigentes (maçons e outros) da esquerda moderada e os “católicos progressistas” em 1974-75 (incluindo, ao que parece, o patriarca de Lisboa) ao procurarem (e conseguirem) afastar o espectro de novo enfrentamento, sem com isso terem bloqueado ou impedido o prosseguimento de um processo de secularização e de laicização da vida pública.
JF / 25.Abr.2011
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segunda-feira, 25 de abril de 2011
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