O tema anda na baila, aqui e lá fora. Como se não tivessem já projecção mediática suficiente, até aparecem agora notícias em que alguns dos multi-milionários conhecidos se oferecem para pagar mais para a comunidade, em nome da “justiça social”!
O colunista J.V.Malheiros (Público, 30.Ago.2011) tem razão em denunciar esta “operação de marketing” e ao dizer que “regras fiscais mais justas não visam acabar com a riqueza. Visam acabar com a batota” mas parece-me que incorre largamente no preconceito fácil quando escreve que os ricos “estão habituados a ser tratados com mimos, a ser beneficiados nos negócios, a ser privilegiados pelos governos, obedecidos pelos legisladores, perdoados pelos tribunais, a comprar mais barato que os pobres, a comprar os favores que não lhes são oferecidos, a pagar menos impostos, a que lhes ofereçam os terrenos públicos para construir as suas empresas, a que lhes perdoem a dívidas, que lhes facilitem uns concursos públicos, que se abram excepções na lei para lhes permitir enriquecer ainda mais, que lhes urbanizem uns terrenos rurais, que lhes facilitem uns trâmites.” Uf! Mesmo descontando o efeito hiperbólico da frase, se isto fosse tudo verdade significaria que estaríamos na idade média ou dos absolutismos, não no mundo aberto e livre em larga dose – embora muito desigual e desequilibrado – em que vivemos.
Porém, na mesma fonte de imprensa publicam-se também os rendimentos declarados em 2010 pelos membros do actual governo português. É útil esta possibilidade de escrutínio público, como mecanismo de cidadania. Por ele se fica a saber que, dos 46 governantes considerados, a média dos seus rendimentos é cerca de 140 mil Euros. Destacam-se sete acima dos 200 mil; e doze abaixo dos 65 mil, que podemos tomar como uma referência simbólica por ser o rendimento auferido no topo de uma excelente carreira pública (professor catedrático de universidade). Note-se que estamos aqui a citar somas provenientes de remunerações de trabalho, pensões, rendas, lucros empresariais auferidos, rendimentos de produtos financeiros, direitos autorais, venda de bens, etc., e não do património físico ou financeiro acumulado. Trata-se, portanto, de rendimentos rotineiramente angariados por meros tecnocratas, alguns profissionais independentes e mais uns tantos que têm feito carreira na política e nos partidos, ganhando acima e bem acima (em média, mais do dobro) daquele marco de referência. Como se vê, é “gente rica” aquela que se dedica actualmente à governação.
Podemos então extrair uma primeira conclusão: a de que existe uma fortíssima imbricação entre a oligarquia partidária e a oligarquia económica.
Quanto aos impostos a pagar por esta classe de pessoas (donde saem os que nos governam), fora da demagogia d’ “os ricos que paguem a crise” ou das questões de ordem técnica mas ao contrário do que a ainda recente discussão da “taxa única” podia fazer crer, parece aqui justificar-se o princípio do imposto progressivo (taxas maiores para os mais altos rendimentos), não para equilibrar as finanças públicas (que terão de assentar em bases diferentes do que vem acontecendo) nem essencialmente para subsidiar os mais pobres ou a gratuitidade de certos benefícios, mas sobretudo para repor alguma justiça e equidade no funcionamento do sistema económico.
Quanto às taxas que tributam os rendimentos do capital (juros, dividendos, transacções e mais-valias bolsistas, etc.) e os resultados das empresas – e respectivas isenções –, apesar de se tratar de uma realidade diversa dos rendimentos individuais, é possível que as acusações do colunista Malheiros tenham fundamento. Mas é também verdade que a “competição fiscal” internacional existe, como existem os “paraísos fiscais”, e que a unilateralidade patriótica nesta matéria pode resultar em rotundos fracassos. A cooperação internacional revela-se, pois, cada vez mais necessária, embora muito difícil.
Mas, entre nós, o que talvez seja mais gritante é a forma impune como parte dos profissionais independentes e dos empresários consegue fugir ao fisco apresentando resultados irrisórios ou fazendo uma confusão imaginativa entre bens e serviços da empresa e os seus próprios. Em parte, é culpa do “sistema”. Mas é também o espelho da falta de moralidade e de probidade que por aí campeia.
JF / 3.Set.2011
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sexta-feira, 2 de setembro de 2011
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