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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A próxima revolta na Europa

Permitam-me um exercício para-científico de futurologia. Muita gente anda falando nestas coisas, e não sem fundamentos para tal.
Tal como os cenários se estão configurando, mais dia, menos dia, mais ano, menos ano, deve rebentar uma nova onda de revolta na Europa.
Protagonistas: os jovens de formação avançada até aos 35/40 anos que encontram cada vez dificuldades de inserção profissional e de construção de um espaço de vida pessoal e familiar estável e correspondente às suas aspiração. A estes, juntar-se-ão rapidamente os jovens estudantes, os jovens não-estudantes, algumas franjas marginais da sociedade, grupos sindicados de trabalhadores, intelectuais e quadros de classe média bem pensante, gentes dos sectores artísticos e da informação, e muitos outros segmentos particulares, entre os quais os políticos-de-turno que estejam no momento na oposição.
Pretextos: podem ser variados, incluindo os de mais baixa relevância pois é o descontentamento latente em largas camadas (vide na abstenção eleitoral) pelo tipo e qualidade de vida que lhes é proporcionada, em contraste com os saberes culturais e técnicos por elas detidos e as ambições que alimentam (por muito irrealizáveis que sejam), que as motivará para o protesto e o desafio, e não um qualquer projecto colectivo de base religiosa, política ou social. Onde rebentar a chispa (“que lança fogo à pradaria”) e houver inabilidade ou estupidez na reacção dos poderes institucionais em funções (actos governativos, leis, execuções administrativas desastradas, acidentes fortuitos, até naturais), aí pode começar uma dinâmica, restrita a um país, ou com repercussões e alargamento em outros vizinhos, nesta nossa Europa.
As novas tecnologias de informação e comunicação e os equipamentos tecnológicos mais socializados serão então empregues a fundo, na mobilização e tentativas de desmobilização dos contestatários, na manipulação de massas e contra-informação, em provocações vindas de vários lados, etc.
As saídas para uma crise destes – uma espécie de “Maio 68” à escala europeia com meio-século por cima de experiências e inovações – é que é bem mais difícil de prever do que qualquer queda de regime autoritário árabo-islâmico. Porque, compreensivelmente, neste mundo ocidental “judaico-cristão-iluminista-laico” ninguém já quer correr grandes riscos, muitos guardam memória das melhores e piores aventuras dos dois últimos séculos, a maioria permanece adepta do regime político democrático (por muito que os seus actuais ocupantes pareçam apostados em o degradar) e, por outro lado, o lugar e o padrão-de-vida da Europa estão hoje muito condicionados por fenómenos e variáveis mundiais que escapam ao seu poder e controlo.
Por isso, o mais provável é que tal onda de revolta possa, de facto, produzir a mais grave crise política das últimas décadas – simultaneamente ao nível nacional e das instituições europeias, numa inextricável confusão –, mas que ela se apague relativamente depressa, não porém sem que antes tenha provocado um enorme abalo nos diversos círculos do poder, e possa talvez ter determinado, se não recomposições político-partidárias radicais, pelo menos uma ‘varridela’ vistosa e substancial do pessoal político em funções, além de soluções de emergência de ‘respeito pela vontade popular’. Não será uma revolução, mas alguma coisa importante poderá mudar.
JF / 15.Fev.2011

1 comentário:

  1. Caro João Freire

    Penso que a revolta de que falas é necessária face à despudorada, ignóbil e escandalosa imoralidade e indigência intelectual em que vivemos.
    Onde estão os direitos humanos universalmente consagrados? Porque é que continuamos a pagar aos nossos representantes no Conselho de Direitos Humanos da ONU e no Conselho da Europa? Faz sentido que os nossos representantes aprovem referenciais de avanço civilizacional e a sociedade e os seus governantes pactuem com uma moderna escravatura de baixos salários, de
    repressão, de precariedade e de desemprego? Que caminho está a seguir a saúde, a segurança social, a educação, a reinserção social? Quantos portugueses vivem hoje sem água e sem luz em casa por insuficiência económica? Quantas crianças vão para a escola sem terem efectuado os trabalhos de casa por não terem electricidade e outras condições básicas?

    Eu estarei nas hostes dos revoltosos.

    Um abraço

    A. Santos

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