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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Lanza del Vasto e Mahatma Gandhi

Lanza del Vasto nasceu em Itália, em 1901 e faleceu em 1981. Estudou Filosofia em Pisa, onde se doutorou, mas desde cedo sentiu dificuldades em antecipar para si qualquer lugar numa sociedade dilacerada pela violência e pela procura do lucro e da dominação. No início da década de trinta, depois de vagabundear pela Europa central, dedicando-se a trabalhos artesanais, teve notícia das campanhas de desobediência civil que por então cobriam a Índia. Atraído pelas ideias de Gandhi, em que viu um sinal novo, único evento capaz de magnetizar um homem ansioso de viver com verdade, decidiu atravessar os mares e desembarcar na Índia para se dedicar por inteiro à revolução que então lavrava no vasto continente, sob inspiração do pequeno discípulo hindu de Tolstói.
O resultado imediato desse itinerário foi a escrita dum livro, Pèlerinage aux Sources, cuja publicação original, em língua francesa, aconteceu em 1943. Mais do que um livro de viagens, estabelecendo um marco novo nas relações entre o Ocidente e o Oriente, que também é, trata-se antes dum manual de iniciação à prática gandhiana – até naquilo que tem de metamorfose e questionamento pessoal – observada e experimentada em plena campanha de libertação da Índia.
O livro tem assim um duplo aspecto de reportagem, retratando ao vivo a forma como o núcleo mais íntimo de Gandhi vivia nas províncias centrais, entre Wharda e Sevagram, duas aldeias tradicionais de choças de adobe, e de teorização didáctica, registando porventura a mais esclarecida e informada síntese sobre a revolução não-violenta, tal como Gandhi a encarava e parte da Índia por então a vivia.
É este importante livro de Lanza del Vasto, com vasta fortuna editorial nos anos que se seguiram à publicação, que apareceu agora em língua portuguesa, com tradução de Helena Santos Langrouva e Glossário e Índice Remissivo final de José Carlos Costa Marques (Porto, Edições Sempre-em-Pé, 2010, pp.312).
Lanza del Vasto – que partiu para a Índia em meados do ano de 1936 e dela regressou dois anos depois – projectou no início da sua viagem não mais retornar à terra de origem, decidido que estava a passar o resto dos dias entre o estado-maior de Gandhi. Depois, à medida que o tempo passou, percebeu dentro dele a necessidade de voltar à Europa, não porque estivesse desiludido com o processo de libertação em que participava como observador privilegiado, ou sentisse a nostalgia do modo de vida ocidental, mas porque ouviu dentro de si o apelo de iniciar no Ocidente uma revolução comparável àquela que presenciava na Índia.
O resultado foi a fundação em 1948, em França, duma comunidade laboriosa, denominada “A Arca”, alicerçada nas duas traves-mestras da revolução gandhiana: ahimsa (conceito hindu de respeito por tudo o que vive) e svadeshi (independência económica, autarcia administrativa, governo dum por si próprio). A comunidade tem hoje mais de meio século de vida e corresponde por inteiro ao desejo inicial do seu fundador: um embrião da não-violência gandhiana no Ocidente.
Muitas das acções directas não-violentas que Lanza del Vasto e a comunidade por si fundada lançaram conseguiram vastos apoios e inesperados resultados, como a obtenção em 1963 do estatuto francês de objector de consciência – campanha esta em colaboração estreita com o anarquista Louis Lecoin (1888-1971) – e o fim da extensão do campo militar do Larzac, no Sul de França, depois duma luta cívica que cobriu uma década, de 1972 a 1981. Ainda hoje a compacta mobilização em França contra os transgénicos, o nuclear civil e a globalização financeira deve muito ao empenho dos seguidores de Lanza del Vasto.
Passam hoje sessenta e dois anos sobre o desaparecimento de Gandhi, assassinado às mãos dum fanático hindu. Não cremos que o interesse das suas ideias seja apenas histórico; pensamos que as linhas de acção que deram sentido à sua vida, delineadas numa época em que o Ocidente se preparava para construir a bomba atómica, iniciando a corrida ao armamento nuclear, continuam no essencial actuais, mostrando-se vitalmente necessárias a uma civilização que rompeu perigosamente o equilíbrio entre cultura e natureza.
António Cândido Franco / 30 de Janeiro de 2011

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