Depois da Tunísia, levantam-se consideráveis massas populares urbanas do Egipto, procurando derrubar Mubarak e o seu regime. Como sempre nestas circunstâncias, há gente ousada, vítimas, provocadores, depredações, respostas sangrentas das forças de segurança, mortos e feridos. É bom que não sejam em vão.
Por agora, tudo parece depender da atitude do exército, um dos mais poderosos da região, que tem força bastante para esmagar a revolta, mas não para convencer os egípcios a voltarem a aceitar o regime personificado por Mubarak e a sua clique.
A partir da interrogação do desfecho desta crise, também não sabemos como poderão evoluir as situações políticas internas nos países vizinhos que, após o derrube de Ben Ali na Tunísia, dão sinais de forte agitação nas ruas e de medidas cautelares nos palácios.
É certo que grandes dúvidas se colocam quanto às forças finalmente vitoriosas destas revoluções, tantas vezes iguais ou piores que os regimes que derrubaram.
Mas deve haver esperança quando sistemas solidamente instalados, na base do despotismo político, da repressão, da corrupção e das gritantes desigualdades sócio-económicas entre a elite do poder e a maioria do povo, começam a abanar e vêem fraquejar os seus apoios, internos e externos. Esperança sobretudo alicerçada na natureza, motivações e objectivos das populações revoltadas, quando há a hipótese de que destas crises saiam finalmente regimes razoavelmente democráticos, que respeitem as liberdades essenciais e procurem realizar mais justiça e equidade para toda a população.
É neste sentido que as actuais revoltas no arco árabe-mediterrânico podem vir a ser importantes e nos fazem lembrar as vagas revolucionárias de 1848 e de 1989 na Europa que, em efeito de dominó, viram sucessivamente ruir, uns após outros, regimes tardo-absolutistas (no primeiro caso) ou comunistas (no segundo) para darem origem a situações mais respeitadoras dos direitos humanos e de cidadania moderna. Mesmo quando se sabe que estes novos regimes democráticos vêm a frustrar grande parte das promessas e das aspirações inicialmente formuladas.
Com efeito, seria um grande passo em frente para toda a região do Magrebe e Médio-Oriente se às monarquias islâmicas mais fundamentalistas ou aos nacionalismos árabes protagonizados por militares (Boumediène, Assad, Sadam, Kadafi ou os egípcios Naguib, Nasser, Sadat e Mubarak) sucedessem regimes laicos pluralistas, respeitadores das religiões mas abertos à modernização social e melhores distribuidores da riqueza nacional.
Ora, é sobretudo o envolvimento de profissionais das classes médias, de jovens escolarizados (e muitas vezes sem emprego) e de forças políticas laicas ocidentalizadas nessa contestação, juntamente com a prova do uso dos modernos instrumentos de comunicação (telemóveis, Internet, etc.), que nos faz acreditar nessa possibilidade de uma saída democrática, viável e ajustada a cada situação local, com a devida contenção dos extremistas do radicalismo islâmico e sem a “bengala” artificial do anti-sionismo militante ou do anti-americanismo de princípio.
JF / 31.Jan.2011
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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Lanza del Vasto e Mahatma Gandhi
Lanza del Vasto nasceu em Itália, em 1901 e faleceu em 1981. Estudou Filosofia em Pisa, onde se doutorou, mas desde cedo sentiu dificuldades em antecipar para si qualquer lugar numa sociedade dilacerada pela violência e pela procura do lucro e da dominação. No início da década de trinta, depois de vagabundear pela Europa central, dedicando-se a trabalhos artesanais, teve notícia das campanhas de desobediência civil que por então cobriam a Índia. Atraído pelas ideias de Gandhi, em que viu um sinal novo, único evento capaz de magnetizar um homem ansioso de viver com verdade, decidiu atravessar os mares e desembarcar na Índia para se dedicar por inteiro à revolução que então lavrava no vasto continente, sob inspiração do pequeno discípulo hindu de Tolstói.
O resultado imediato desse itinerário foi a escrita dum livro, Pèlerinage aux Sources, cuja publicação original, em língua francesa, aconteceu em 1943. Mais do que um livro de viagens, estabelecendo um marco novo nas relações entre o Ocidente e o Oriente, que também é, trata-se antes dum manual de iniciação à prática gandhiana – até naquilo que tem de metamorfose e questionamento pessoal – observada e experimentada em plena campanha de libertação da Índia.
O livro tem assim um duplo aspecto de reportagem, retratando ao vivo a forma como o núcleo mais íntimo de Gandhi vivia nas províncias centrais, entre Wharda e Sevagram, duas aldeias tradicionais de choças de adobe, e de teorização didáctica, registando porventura a mais esclarecida e informada síntese sobre a revolução não-violenta, tal como Gandhi a encarava e parte da Índia por então a vivia.
É este importante livro de Lanza del Vasto, com vasta fortuna editorial nos anos que se seguiram à publicação, que apareceu agora em língua portuguesa, com tradução de Helena Santos Langrouva e Glossário e Índice Remissivo final de José Carlos Costa Marques (Porto, Edições Sempre-em-Pé, 2010, pp.312).
Lanza del Vasto – que partiu para a Índia em meados do ano de 1936 e dela regressou dois anos depois – projectou no início da sua viagem não mais retornar à terra de origem, decidido que estava a passar o resto dos dias entre o estado-maior de Gandhi. Depois, à medida que o tempo passou, percebeu dentro dele a necessidade de voltar à Europa, não porque estivesse desiludido com o processo de libertação em que participava como observador privilegiado, ou sentisse a nostalgia do modo de vida ocidental, mas porque ouviu dentro de si o apelo de iniciar no Ocidente uma revolução comparável àquela que presenciava na Índia.
O resultado foi a fundação em 1948, em França, duma comunidade laboriosa, denominada “A Arca”, alicerçada nas duas traves-mestras da revolução gandhiana: ahimsa (conceito hindu de respeito por tudo o que vive) e svadeshi (independência económica, autarcia administrativa, governo dum por si próprio). A comunidade tem hoje mais de meio século de vida e corresponde por inteiro ao desejo inicial do seu fundador: um embrião da não-violência gandhiana no Ocidente.
Muitas das acções directas não-violentas que Lanza del Vasto e a comunidade por si fundada lançaram conseguiram vastos apoios e inesperados resultados, como a obtenção em 1963 do estatuto francês de objector de consciência – campanha esta em colaboração estreita com o anarquista Louis Lecoin (1888-1971) – e o fim da extensão do campo militar do Larzac, no Sul de França, depois duma luta cívica que cobriu uma década, de 1972 a 1981. Ainda hoje a compacta mobilização em França contra os transgénicos, o nuclear civil e a globalização financeira deve muito ao empenho dos seguidores de Lanza del Vasto.
Passam hoje sessenta e dois anos sobre o desaparecimento de Gandhi, assassinado às mãos dum fanático hindu. Não cremos que o interesse das suas ideias seja apenas histórico; pensamos que as linhas de acção que deram sentido à sua vida, delineadas numa época em que o Ocidente se preparava para construir a bomba atómica, iniciando a corrida ao armamento nuclear, continuam no essencial actuais, mostrando-se vitalmente necessárias a uma civilização que rompeu perigosamente o equilíbrio entre cultura e natureza.
António Cândido Franco / 30 de Janeiro de 2011
O resultado imediato desse itinerário foi a escrita dum livro, Pèlerinage aux Sources, cuja publicação original, em língua francesa, aconteceu em 1943. Mais do que um livro de viagens, estabelecendo um marco novo nas relações entre o Ocidente e o Oriente, que também é, trata-se antes dum manual de iniciação à prática gandhiana – até naquilo que tem de metamorfose e questionamento pessoal – observada e experimentada em plena campanha de libertação da Índia.
O livro tem assim um duplo aspecto de reportagem, retratando ao vivo a forma como o núcleo mais íntimo de Gandhi vivia nas províncias centrais, entre Wharda e Sevagram, duas aldeias tradicionais de choças de adobe, e de teorização didáctica, registando porventura a mais esclarecida e informada síntese sobre a revolução não-violenta, tal como Gandhi a encarava e parte da Índia por então a vivia.
É este importante livro de Lanza del Vasto, com vasta fortuna editorial nos anos que se seguiram à publicação, que apareceu agora em língua portuguesa, com tradução de Helena Santos Langrouva e Glossário e Índice Remissivo final de José Carlos Costa Marques (Porto, Edições Sempre-em-Pé, 2010, pp.312).
Lanza del Vasto – que partiu para a Índia em meados do ano de 1936 e dela regressou dois anos depois – projectou no início da sua viagem não mais retornar à terra de origem, decidido que estava a passar o resto dos dias entre o estado-maior de Gandhi. Depois, à medida que o tempo passou, percebeu dentro dele a necessidade de voltar à Europa, não porque estivesse desiludido com o processo de libertação em que participava como observador privilegiado, ou sentisse a nostalgia do modo de vida ocidental, mas porque ouviu dentro de si o apelo de iniciar no Ocidente uma revolução comparável àquela que presenciava na Índia.
O resultado foi a fundação em 1948, em França, duma comunidade laboriosa, denominada “A Arca”, alicerçada nas duas traves-mestras da revolução gandhiana: ahimsa (conceito hindu de respeito por tudo o que vive) e svadeshi (independência económica, autarcia administrativa, governo dum por si próprio). A comunidade tem hoje mais de meio século de vida e corresponde por inteiro ao desejo inicial do seu fundador: um embrião da não-violência gandhiana no Ocidente.
Muitas das acções directas não-violentas que Lanza del Vasto e a comunidade por si fundada lançaram conseguiram vastos apoios e inesperados resultados, como a obtenção em 1963 do estatuto francês de objector de consciência – campanha esta em colaboração estreita com o anarquista Louis Lecoin (1888-1971) – e o fim da extensão do campo militar do Larzac, no Sul de França, depois duma luta cívica que cobriu uma década, de 1972 a 1981. Ainda hoje a compacta mobilização em França contra os transgénicos, o nuclear civil e a globalização financeira deve muito ao empenho dos seguidores de Lanza del Vasto.
Passam hoje sessenta e dois anos sobre o desaparecimento de Gandhi, assassinado às mãos dum fanático hindu. Não cremos que o interesse das suas ideias seja apenas histórico; pensamos que as linhas de acção que deram sentido à sua vida, delineadas numa época em que o Ocidente se preparava para construir a bomba atómica, iniciando a corrida ao armamento nuclear, continuam no essencial actuais, mostrando-se vitalmente necessárias a uma civilização que rompeu perigosamente o equilíbrio entre cultura e natureza.
António Cândido Franco / 30 de Janeiro de 2011
domingo, 23 de janeiro de 2011
Quem ganhou e quem perdeu
Ganhou o presidente Cavaco Silva (quando apareceu era o “professor Cavaco e Silva”) porque nele votaram: as pessoas de bom senso que acreditam na honestidade do homem e não queriam acrescentar à crise económica mais um rol de embaraços políticos; o “bom povo português” que gosta de ver um dos seus alçado à proeminência de Belém; os facciosos do “cavaquismo” e do “populismo PPD/PSD”. E também porque houve 4,2% de votos brancos e não foram votar 53,4% dos eleitores que não acreditavam nos candidatos nem se revêem nos partidos que os apoiam, porque já detestam “a política” ou porque simplesmente estão hoje sobretudo preocupados com o imediato das suas vidas.
Perdeu Manuel Alegre e “a esquerda”, porque os seus 19,8% de votantes só incluíram os “bloquistas”, muito menos dos eleitores PS das últimas legislativas (então 36,5%), o esquerdismo mítico saudoso do 25 de Abril (ou os restos simbólicos do republicanismo anti-fascista) e aqueles que são sempre “contra as direitas”.
Francisco Lopes e o PCP conseguiram um “empate” porque, mostrando a velha habilidade táctica do estalinismo, deixaram Alegre e a esquerda afundar-se sozinhos e mantiveram aproximadamente o seu bastião de 400 mil votos (7,1% contra 7,8% nas legislativas de 2009).
Fernando Nobre sai confortado desta aventura (que uns tantos lhe terão acenado) porque, sendo um homem bom e solidário, não se confundiu com os “políticos”; e sendo um homem livre, disse coisas – contra os interesses e os poderes estabelecidos – que só um homem livre pode dizer, nisso correspondendo ao verdadeiro espírito de cidadania felizmente presente em não pouca gente: os 14,1% que obteve são prova disso, embora sejam um potencial porventura inepto para o exercício do poder, nas actuais condições de funcionamento da vida política.
José Manuel Coelho, sem quaisquer meios, ainda recolheu muitos votos de protesto mas, com Defensor Moura, foi o “folclore local” que, com coragem e presunção, cumpriram desta vez o papel de compère habitualmente desempenhado por Garcia Pereira para dar credibilidade democrática ao processo eleitoral, mostrando que “mesmo os pequenos podem lá chegar”.
Agora, the show is over e é preciso pagar as contas.
JF / 23.Jan.2011
Perdeu Manuel Alegre e “a esquerda”, porque os seus 19,8% de votantes só incluíram os “bloquistas”, muito menos dos eleitores PS das últimas legislativas (então 36,5%), o esquerdismo mítico saudoso do 25 de Abril (ou os restos simbólicos do republicanismo anti-fascista) e aqueles que são sempre “contra as direitas”.
Francisco Lopes e o PCP conseguiram um “empate” porque, mostrando a velha habilidade táctica do estalinismo, deixaram Alegre e a esquerda afundar-se sozinhos e mantiveram aproximadamente o seu bastião de 400 mil votos (7,1% contra 7,8% nas legislativas de 2009).
Fernando Nobre sai confortado desta aventura (que uns tantos lhe terão acenado) porque, sendo um homem bom e solidário, não se confundiu com os “políticos”; e sendo um homem livre, disse coisas – contra os interesses e os poderes estabelecidos – que só um homem livre pode dizer, nisso correspondendo ao verdadeiro espírito de cidadania felizmente presente em não pouca gente: os 14,1% que obteve são prova disso, embora sejam um potencial porventura inepto para o exercício do poder, nas actuais condições de funcionamento da vida política.
José Manuel Coelho, sem quaisquer meios, ainda recolheu muitos votos de protesto mas, com Defensor Moura, foi o “folclore local” que, com coragem e presunção, cumpriram desta vez o papel de compère habitualmente desempenhado por Garcia Pereira para dar credibilidade democrática ao processo eleitoral, mostrando que “mesmo os pequenos podem lá chegar”.
Agora, the show is over e é preciso pagar as contas.
JF / 23.Jan.2011
domingo, 16 de janeiro de 2011
Quoi de neuf na Tunísia?
Depois de 23 anos de poder presidencial instalado na Tunísia, na senda do “pai” Bourguiba, o povo urbano revoltou-se, apertado pelas condições económicas, e ao fim de alguns dias de motins e confrontos conseguiu derrubar e pôr em fuga o presidente Ben Ali (eleito, à maneira destes regimes de poder pessoal).
Saudemos os que se rebelaram contra um sistema cujos principais pontos de apoio são “o palácio” (que vem do tempo dos Bey e se manteve sob os colonizadores franceses), os aldeamentos turísticos, as mesquitas, os aquartelamentos militares e policiais, uma classe média letrada já com os pés assentes na universidade e nas empresas, e os numerosíssimos bairros pobres dos subúrbios! Lamentemos os familiares das vítimas desta sublevação! Mas o caminho que se abre agora está cheio de indeterminações.
Haverá mesmo eleições dentro de 60 dias e serão elas, processualmente, livres e justas?
Tal como se pode ver em canais televisivos, os ‘Irmãos Muçulmanos’ (e outros militantes islamistas radicais) terão estado certamente nas primeiras filas dos confrontos e tudo farão para controlar as dinâmicas que aí vêm. Quanto valerão eles eleitoralmente? Tentarão outras formas de luta, pela violência?
Externamente, que influência isto terá no Egipto, em Marrocos, na Argélia ou mesmo na Jordânia? Perante estas mudanças, como agirão os intratáveis líderes da Líbia e do Sudão?
Irá o “retorno do pêndulo” produzir uma nova ditadura ou conseguirá a Tunísia estabilizar-se numa situação respeitadora das liberdades e com maior justiça e equidade social?
São os dilemas que deixam sempre os regimes autoritários e de poder pessoal (de que o nosso Alberto João Jardim é uma pequena amostra).
JF / 16.Jan.2010
Saudemos os que se rebelaram contra um sistema cujos principais pontos de apoio são “o palácio” (que vem do tempo dos Bey e se manteve sob os colonizadores franceses), os aldeamentos turísticos, as mesquitas, os aquartelamentos militares e policiais, uma classe média letrada já com os pés assentes na universidade e nas empresas, e os numerosíssimos bairros pobres dos subúrbios! Lamentemos os familiares das vítimas desta sublevação! Mas o caminho que se abre agora está cheio de indeterminações.
Haverá mesmo eleições dentro de 60 dias e serão elas, processualmente, livres e justas?
Tal como se pode ver em canais televisivos, os ‘Irmãos Muçulmanos’ (e outros militantes islamistas radicais) terão estado certamente nas primeiras filas dos confrontos e tudo farão para controlar as dinâmicas que aí vêm. Quanto valerão eles eleitoralmente? Tentarão outras formas de luta, pela violência?
Externamente, que influência isto terá no Egipto, em Marrocos, na Argélia ou mesmo na Jordânia? Perante estas mudanças, como agirão os intratáveis líderes da Líbia e do Sudão?
Irá o “retorno do pêndulo” produzir uma nova ditadura ou conseguirá a Tunísia estabilizar-se numa situação respeitadora das liberdades e com maior justiça e equidade social?
São os dilemas que deixam sempre os regimes autoritários e de poder pessoal (de que o nosso Alberto João Jardim é uma pequena amostra).
JF / 16.Jan.2010
sábado, 15 de janeiro de 2011
Afinal, os gestores pesam!
Durante muito tempo, entendi que os salários elevados pagos aos gestores de topo das empresas e do Estado eram uma “falsa questão”, não em relação às desigualdades sociais nem à questão moral envolvida, mas como problema económico de apropriação do rendimento disponível. Era certamente uma noção que provinha das grandezas estatísticas objectivamente consideradas, mas também um pouco uma reacção ao “moralismo” contido em certas críticas contra “os ricos” pois, para mim, são “suspeitos de riqueza” todos aqueles que auferem rendimentos acima da média mundial (que serão todos os portugueses, ou quase).
Note-se que tais juízos, supostamente morais, se aparentam aos dos que, nos tempos actuais, bramam contra os “especuladores” financeiros, quando é sabido que – havendo embora especuladores (Soros e muitos outros) e especulação bolsista, monetária e financeira, como há fundiária e comercial – a maior parte dos movimentos de capitais nos mercados internacionais são o resultado de lógicas racionais de ganho a que nenhum investidor (grande ou pequeno) fica alheio; são, essencialmente, o resultado adicionado de decisões tomadas por bancos, companhias de seguros, empresas multinacionais, estados e outras entidades detentoras de grandes activos financeiros, a que acessoriamente se juntam, de facto, os “lavadores de dinheiro sujo” e outros traficantes e especuladores encartados. A lógica é a mesma que preside aos depósitos do pequeno aforrador: põem o dinheiro onde lhes parece que vai render mais.
Porém, hoje acho que devo reconhecer uma parte de erro naquela minha opinião inicial. Toda a informação, comentários e opiniões que têm circulado nos últimos dois anos fizeram-me pensar que, mesmo no plano estritamente económico, os “salários” dos altos quadros e administradores de empresas de média e grande dimensão – tal como as chefias e administrações dos serviços públicos – acabam por constituir já uma categoria quantitativamente relevante que pode ser destacada e confrontada com as remunerações dos restantantes “recursos humanos”. Com duas características adicionais: por um lado, esta gente constituirá uma “classe dirigente” que, além de muito bem paga, toma as principais decisões económicas e políticas no mundo de hoje, e como tal deveria ser responsabilizada (o que não acontece, por falta de visibilidade e consistência conceptual); por outro lado, como “classe dominante”, tende a fechar-se e a reproduzir-se, em benefício próprio, como se vê pelo conúbio público-privado, pela sua “internacionalização” e pelos “percursos de excelência” que possibilitam aos seus filhos, o que justificaria, pelo menos, um tratamento fiscal claramente diferenciado (e mais pesado, claro) daquelas pessoas comuns que pagam IRS pela sua actividade de trabalho.
JF / 15.Jan.2011
Note-se que tais juízos, supostamente morais, se aparentam aos dos que, nos tempos actuais, bramam contra os “especuladores” financeiros, quando é sabido que – havendo embora especuladores (Soros e muitos outros) e especulação bolsista, monetária e financeira, como há fundiária e comercial – a maior parte dos movimentos de capitais nos mercados internacionais são o resultado de lógicas racionais de ganho a que nenhum investidor (grande ou pequeno) fica alheio; são, essencialmente, o resultado adicionado de decisões tomadas por bancos, companhias de seguros, empresas multinacionais, estados e outras entidades detentoras de grandes activos financeiros, a que acessoriamente se juntam, de facto, os “lavadores de dinheiro sujo” e outros traficantes e especuladores encartados. A lógica é a mesma que preside aos depósitos do pequeno aforrador: põem o dinheiro onde lhes parece que vai render mais.
Porém, hoje acho que devo reconhecer uma parte de erro naquela minha opinião inicial. Toda a informação, comentários e opiniões que têm circulado nos últimos dois anos fizeram-me pensar que, mesmo no plano estritamente económico, os “salários” dos altos quadros e administradores de empresas de média e grande dimensão – tal como as chefias e administrações dos serviços públicos – acabam por constituir já uma categoria quantitativamente relevante que pode ser destacada e confrontada com as remunerações dos restantantes “recursos humanos”. Com duas características adicionais: por um lado, esta gente constituirá uma “classe dirigente” que, além de muito bem paga, toma as principais decisões económicas e políticas no mundo de hoje, e como tal deveria ser responsabilizada (o que não acontece, por falta de visibilidade e consistência conceptual); por outro lado, como “classe dominante”, tende a fechar-se e a reproduzir-se, em benefício próprio, como se vê pelo conúbio público-privado, pela sua “internacionalização” e pelos “percursos de excelência” que possibilitam aos seus filhos, o que justificaria, pelo menos, um tratamento fiscal claramente diferenciado (e mais pesado, claro) daquelas pessoas comuns que pagam IRS pela sua actividade de trabalho.
JF / 15.Jan.2011
domingo, 9 de janeiro de 2011
Os sindicatos e a acção judiciária
Durante a maior parte da sua trajectória histórica, os sindicatos de trabalhadores contaram essencialmente sobre a sua capacidade de luta pacífica (pela greve, abstendo-se de trabalhar, perdendo também o seu salário) para forçar os patrões a ceder às suas reivindicações económicas, e às vezes os governos para que decretassem medidas de apoio social ou de dignificação cívica e cultural. Era a chamada “acção directa” ou de “pressão”, muitas vezes contando com a solidariedade dos de igual condição.
Mais tarde, no apogeu do Welfare State, emergiu e consolidou-se uma elite de sindicalistas especializados na negociação com empregadores e governantes, no quadro das convenções colectivas de trabalho e da concertação social. Foi um passo significativo de racionalização dos processos sociais, poupando sacrifícios e desperdícios, mas também com efeitos na separação psicológica entre trabalhadores sindicalizados e os seus dirigentes, apesar de tudo compensada pela existência ainda abundante de militantes de base, benévolos, e pelos apelos a acções de greve, a que os trabalhadores respondiam de forma variável, mas às vezes maciçamente.
Actualmente, começa a ser corrente entre nós (lembremo-nos das providências cautelares dos professores) que os conflitos de trabalho sejam canalizados para os tribunais, remetendo cada vez mais a sua solução para as mãos de um reduzido número de especialistas (agora juristas, depois de economistas e psicólogos), bem longe daquilo que era antigamente a “luta de massas”.
Mas não é extraordinário que seja a ineficácia e emperramento da nossa máquina judiciária que agora possa servir os propósitos de “combate de retardamento” com que a elite sindical procura travar a acção governativa de conter a despesa pública, numa situação de quase-bancarrota do Estado e de estagnação da nossa economia?
JF / 9.Jan.2010
Mais tarde, no apogeu do Welfare State, emergiu e consolidou-se uma elite de sindicalistas especializados na negociação com empregadores e governantes, no quadro das convenções colectivas de trabalho e da concertação social. Foi um passo significativo de racionalização dos processos sociais, poupando sacrifícios e desperdícios, mas também com efeitos na separação psicológica entre trabalhadores sindicalizados e os seus dirigentes, apesar de tudo compensada pela existência ainda abundante de militantes de base, benévolos, e pelos apelos a acções de greve, a que os trabalhadores respondiam de forma variável, mas às vezes maciçamente.
Actualmente, começa a ser corrente entre nós (lembremo-nos das providências cautelares dos professores) que os conflitos de trabalho sejam canalizados para os tribunais, remetendo cada vez mais a sua solução para as mãos de um reduzido número de especialistas (agora juristas, depois de economistas e psicólogos), bem longe daquilo que era antigamente a “luta de massas”.
Mas não é extraordinário que seja a ineficácia e emperramento da nossa máquina judiciária que agora possa servir os propósitos de “combate de retardamento” com que a elite sindical procura travar a acção governativa de conter a despesa pública, numa situação de quase-bancarrota do Estado e de estagnação da nossa economia?
JF / 9.Jan.2010
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Estado social ou economia social?
A publicação de um texto de João Freire sobre a evolução do “Estado social” no jornal Expresso suscitou da parte de Fernando Medeiros (FM) algumas observações críticas. Com a devida autorização, vamos aqui referir as principais.
Relativamente à ideia que de que o crescimento do “Estado social” na segunda metade do Século XX é um fenómeno geral que atinge a maior parte países industrializados e em vias de “terciarização”, comenta FM: “Formulação dúbia [pois] não dá conta do facto de se tratar de um duplo movimento, embora a décalage temporal entre os dois processos e a forma como eles se interconectam tenha as suas singularidades no caso português de industrialização tardia – a ‘descolagem’ clara e nítida só nos anos 50, com a % do Produto Industrial no PIB a crescer aceleradamente – criando-se assim simultaneamente os requisitos económicos e as ‘questões sociais’ que subjazem ao aparecimento do ‘Estado social’ de tipo beveridgiano.”
Quanto à subida acentuada dos custos unitários do funcionalismo ocupado na função social do Estado na fase do regime democrático pós-74, FM lembra judiciosamente “a emigração dos anos 1960/70, para o surto da qual contribuíram também as enormes vantagens dos ‘Estados sociais’ dos países receptores.”
Afirmava-se também no texto que, cerca de 1970, as relações aritméticas entre emprego público, despesa primária, serviço da dívida, dívida pública e PIB parecem ter sido ‘mais económicas’ do que alguma vez o foram após o recolhimento português às fronteiras europeias. FM acrescenta e aponta os efeitos “da ‘crise do petróleo’ de 1973/74, duplo terramoto nesses dois anos cruciais que deitaram por terra o essencial do edifício económico lançado quase de raiz nos anos 50! Uma mudança que abre um período excepcional que não se enquadra na periodização adoptada. Temos ali uma fronteira que marca um ‘antes’ e um ‘depois’ - aliás assinalado nos dados coligidos pela passagem ao primeiro plano do peso do ‘Estado social’ -, um marco central da periodização 1950-2008 e para este tipo de estudos longitudinais.”
E relativamente à pergunta final sobre o destino do ‘Estado social’ actual, FM comenta: “Por um lado, há a crise económica que empurra para o débito do ‘welfare’ quantidades crescentes de camadas sociais; por outro lado, temos a ‘crise da divida’ que retira ao Estado capacidade financeira para cobrir os défices acrescidos do welfare, e tudo isto com o «político » a dizer «amen» aos planos de austeridade de uma só bitola impostos pelo Euro/Mark. O grande desafio que se coloca ao ‘Estado social’ - aos agentes políticos strictu e lato sensu - é o do seu re-desdobramento através de transformações estruturais profundas. No caso português, em presença de uma estreitíssima margem para essas inovações decisivas em prol de uma ‘Economia Social’ auto-sustentada e desse modo dinamizadora do conjunto de uma economia mais entreprenante e sem dúvida mais entreprenneuriale, na qual ela própria possa voltar a ser uma componente decisiva, tal como a antiga ‘economia social’ foi solidária da velha economia industrial «nacional» e conquistadora-exportadora daqueles tempos dos «trinta gloriosos» anos do pós-guerra.”
São observações pertinentes e agudas que nos ajudam a compreender melhor a actualidade.
JF / 29.Dez.2010
Relativamente à ideia que de que o crescimento do “Estado social” na segunda metade do Século XX é um fenómeno geral que atinge a maior parte países industrializados e em vias de “terciarização”, comenta FM: “Formulação dúbia [pois] não dá conta do facto de se tratar de um duplo movimento, embora a décalage temporal entre os dois processos e a forma como eles se interconectam tenha as suas singularidades no caso português de industrialização tardia – a ‘descolagem’ clara e nítida só nos anos 50, com a % do Produto Industrial no PIB a crescer aceleradamente – criando-se assim simultaneamente os requisitos económicos e as ‘questões sociais’ que subjazem ao aparecimento do ‘Estado social’ de tipo beveridgiano.”
Quanto à subida acentuada dos custos unitários do funcionalismo ocupado na função social do Estado na fase do regime democrático pós-74, FM lembra judiciosamente “a emigração dos anos 1960/70, para o surto da qual contribuíram também as enormes vantagens dos ‘Estados sociais’ dos países receptores.”
Afirmava-se também no texto que, cerca de 1970, as relações aritméticas entre emprego público, despesa primária, serviço da dívida, dívida pública e PIB parecem ter sido ‘mais económicas’ do que alguma vez o foram após o recolhimento português às fronteiras europeias. FM acrescenta e aponta os efeitos “da ‘crise do petróleo’ de 1973/74, duplo terramoto nesses dois anos cruciais que deitaram por terra o essencial do edifício económico lançado quase de raiz nos anos 50! Uma mudança que abre um período excepcional que não se enquadra na periodização adoptada. Temos ali uma fronteira que marca um ‘antes’ e um ‘depois’ - aliás assinalado nos dados coligidos pela passagem ao primeiro plano do peso do ‘Estado social’ -, um marco central da periodização 1950-2008 e para este tipo de estudos longitudinais.”
E relativamente à pergunta final sobre o destino do ‘Estado social’ actual, FM comenta: “Por um lado, há a crise económica que empurra para o débito do ‘welfare’ quantidades crescentes de camadas sociais; por outro lado, temos a ‘crise da divida’ que retira ao Estado capacidade financeira para cobrir os défices acrescidos do welfare, e tudo isto com o «político » a dizer «amen» aos planos de austeridade de uma só bitola impostos pelo Euro/Mark. O grande desafio que se coloca ao ‘Estado social’ - aos agentes políticos strictu e lato sensu - é o do seu re-desdobramento através de transformações estruturais profundas. No caso português, em presença de uma estreitíssima margem para essas inovações decisivas em prol de uma ‘Economia Social’ auto-sustentada e desse modo dinamizadora do conjunto de uma economia mais entreprenante e sem dúvida mais entreprenneuriale, na qual ela própria possa voltar a ser uma componente decisiva, tal como a antiga ‘economia social’ foi solidária da velha economia industrial «nacional» e conquistadora-exportadora daqueles tempos dos «trinta gloriosos» anos do pós-guerra.”
São observações pertinentes e agudas que nos ajudam a compreender melhor a actualidade.
JF / 29.Dez.2010
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
A WikiLeaks perturba os sistemas e divide opiniões
Há tempos, foi a revelação de uns milhares de relatórios militares classificados do “Pentógono” acerca das actuais guerras no Médio-Oriente. Depois, outros milhares de mensagens reservadas da diplomacia norte-americana. Assim se criou a expectativa de ver quais as próximas novidades escondidas que estes arautos do “jornalismo científico” irão pôr a descoberto, para desespero de alguns grandes poderes mundiais.
E a contorvérsia está estabelecida, a nível planetário. Entre nós, todos estão já a tomar posições, face ao embrulho de questões que isto levanta. Entre os mais independentes e avisados comentadores – por exemplo, Pacheco Pereira, Sousa Tavares, José Cutileiro, Miguel Monjardino, Gustavo Cardoso ou Miguel Gaspar – parece predominar a cautela e o receio da “caixa de Pandora”, mais do que o elogio da liberdade de expressão e da “transparência”.
Também é essa a minha reacção. Mas as questãos são fundas e contraditórias, imprevisíveis mesmo, quanto às consequências futuras.
Uma primeira questão remete para a insólita proeza de um punhado de jornalistas-detectives-tipo-Robin-dos-Bosques ser capaz “furar” sistemas de segurança que se suporiam dos mais sofisticados, não para obter um ou meia-dúzia de documentos classificados, mas para sacar milhares deles!? Será apenas o acaso de um jovem soldado indiscreto que se cruzou com o senhor Assange, ou uma “garganta funda” que sempre pode aparecer nos corredores do poder? Isto, nem nos ‘anais de ouro’ da espionagem internacional alguma vez deve ter sido contado! Mas, se o objectivo era introduzir alguma visibilidade e transparência na gestão dos grandes poderes, pode prever-se que que a reacção destes vai ser a de se blindarem ainda mais contra novas aventuras deste tipo.
O segundo tipo de questões remete para o conteúdo mais espalhafatoso do que tem sido revelado pela imprensa. No caso das guerras, é mais que sabido que o segredo militar não serve só para proteger “os nossos rapazes” das manobras do inimigo, mas igualmente para furtar a este o conhecimento de “podres” e das fraquezas próprias, e para tentar manter tão elevado quanto possível o moral das NT e das populações de onde elas provêm. Já na esfera da diplomacia se está perante a evidência da dupla linguagem inerente a estes negócios de estado: cortês e habilidosa na forma protocolar; por vezes, acutilante e sem meneios, no relatório lacrado. Mas é claro que, durante algum tempo, os actores ressentir-se-ão da devassa, tal como a seguir ao “por que no te callas”. Em todo o caso, releva de alguma hipocrisia pública o escandalizar-se com o teor destes discursos privados quando, de facto, a intimidade ou o segredo servem para isso mesmo: para dizer o que não se pode (deve) dizer em público. É certo que é desejável limitar convenientemente esta reserva do poder, para que os seus titulares de ocasião dela se não aproveitem para fins ilícitos ou não excedam o necessário: os governantes e poderosos não são anjos; são homens mais bem informados mas com os defeitos de qualquer de nós e muito mais oportunidades para prevaricar. Mas parece de um infantilismo anarquizante pensar que esses ‘grandes segredos’ devessem vir todos para o meio da rua.
E como os Assange não são crianças nem anarquistas, logo se põe a terceira questão, que abarca: os critérios de selecção dos materiais acedidos e que vão sendo divulgados; as escolhas dos momentos de divulgação e os seus destinatários preferenciais; os governos (ou empresas multinacionais ou outras pessoas ou instituições mundialmente conhecidas) que são alvo deste ‘jornalismo’ e quais os que saem branqueados, pelo silêncio; e, finalmente, a pergunta sobre que ‘máquina’ tão segura é esta que consegue trabalhar internacionalmente (possuindo um número de colaboradores decerto elevado) com um grau de segurança tal que, aparentemente, consegue manter-se imune às reacções dos serviços especializados dos estados tecnologicamente mais poderosos do planeta?
Por tudo isto, colocar os problemas levantados pela WikiLeaks como se fosse apenas um combate entre a liberdade (do uso da Internet e do direito à informação) e as obscuras manobras do poder político-económico (sobretudo o norte-americano, para não variar…), como tantos opinadores afirmam nas páginas dos jornais e no ciberespeço, seria de uma ingenuidade impossível de reconhecer em quem tem argumentos e capacidades técnicas para formular semelhantes discursos.
JF / 24.Dez.2010
E a contorvérsia está estabelecida, a nível planetário. Entre nós, todos estão já a tomar posições, face ao embrulho de questões que isto levanta. Entre os mais independentes e avisados comentadores – por exemplo, Pacheco Pereira, Sousa Tavares, José Cutileiro, Miguel Monjardino, Gustavo Cardoso ou Miguel Gaspar – parece predominar a cautela e o receio da “caixa de Pandora”, mais do que o elogio da liberdade de expressão e da “transparência”.
Também é essa a minha reacção. Mas as questãos são fundas e contraditórias, imprevisíveis mesmo, quanto às consequências futuras.
Uma primeira questão remete para a insólita proeza de um punhado de jornalistas-detectives-tipo-Robin-dos-Bosques ser capaz “furar” sistemas de segurança que se suporiam dos mais sofisticados, não para obter um ou meia-dúzia de documentos classificados, mas para sacar milhares deles!? Será apenas o acaso de um jovem soldado indiscreto que se cruzou com o senhor Assange, ou uma “garganta funda” que sempre pode aparecer nos corredores do poder? Isto, nem nos ‘anais de ouro’ da espionagem internacional alguma vez deve ter sido contado! Mas, se o objectivo era introduzir alguma visibilidade e transparência na gestão dos grandes poderes, pode prever-se que que a reacção destes vai ser a de se blindarem ainda mais contra novas aventuras deste tipo.
O segundo tipo de questões remete para o conteúdo mais espalhafatoso do que tem sido revelado pela imprensa. No caso das guerras, é mais que sabido que o segredo militar não serve só para proteger “os nossos rapazes” das manobras do inimigo, mas igualmente para furtar a este o conhecimento de “podres” e das fraquezas próprias, e para tentar manter tão elevado quanto possível o moral das NT e das populações de onde elas provêm. Já na esfera da diplomacia se está perante a evidência da dupla linguagem inerente a estes negócios de estado: cortês e habilidosa na forma protocolar; por vezes, acutilante e sem meneios, no relatório lacrado. Mas é claro que, durante algum tempo, os actores ressentir-se-ão da devassa, tal como a seguir ao “por que no te callas”. Em todo o caso, releva de alguma hipocrisia pública o escandalizar-se com o teor destes discursos privados quando, de facto, a intimidade ou o segredo servem para isso mesmo: para dizer o que não se pode (deve) dizer em público. É certo que é desejável limitar convenientemente esta reserva do poder, para que os seus titulares de ocasião dela se não aproveitem para fins ilícitos ou não excedam o necessário: os governantes e poderosos não são anjos; são homens mais bem informados mas com os defeitos de qualquer de nós e muito mais oportunidades para prevaricar. Mas parece de um infantilismo anarquizante pensar que esses ‘grandes segredos’ devessem vir todos para o meio da rua.
E como os Assange não são crianças nem anarquistas, logo se põe a terceira questão, que abarca: os critérios de selecção dos materiais acedidos e que vão sendo divulgados; as escolhas dos momentos de divulgação e os seus destinatários preferenciais; os governos (ou empresas multinacionais ou outras pessoas ou instituições mundialmente conhecidas) que são alvo deste ‘jornalismo’ e quais os que saem branqueados, pelo silêncio; e, finalmente, a pergunta sobre que ‘máquina’ tão segura é esta que consegue trabalhar internacionalmente (possuindo um número de colaboradores decerto elevado) com um grau de segurança tal que, aparentemente, consegue manter-se imune às reacções dos serviços especializados dos estados tecnologicamente mais poderosos do planeta?
Por tudo isto, colocar os problemas levantados pela WikiLeaks como se fosse apenas um combate entre a liberdade (do uso da Internet e do direito à informação) e as obscuras manobras do poder político-económico (sobretudo o norte-americano, para não variar…), como tantos opinadores afirmam nas páginas dos jornais e no ciberespeço, seria de uma ingenuidade impossível de reconhecer em quem tem argumentos e capacidades técnicas para formular semelhantes discursos.
JF / 24.Dez.2010
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Liu Xiao-bo
É o nome deste cidadão chinês galardoado com o Prémio Nobel da Paz deste ano. Em Oslo, a sua cadeira de homenagem ficou hoje vazia, porque ele cumpre pena de prisão na República Popular da China e a sua mulher encontra-se detida na residência.
Quais as razões das autoridades chineses para esta perseguição? As denúncias, por meios pacíficos e civilizados, que este homem vem fazendo da ausência de liberdade e direitos humanos que caracterizam o regime político de Pequim.
É certo que, no dia em que se desmoronar este “milagre oriental” de um capitalismo sem limites combinado com uma ditadura comunista implacável, o mundo irá tremer: quer pelo que poderá acontecer no interior do antigo império-do-meio, quer pelas consequências económicas que advirão para todos.
Mas, aos olhos daqueles que prezam a justiça e as liberdades, não é possível deixar isolados nem que se apague a voz daqueles que na China reclamam contra o destino que lhes impõem.
JF / 10.Dez.2010
Quais as razões das autoridades chineses para esta perseguição? As denúncias, por meios pacíficos e civilizados, que este homem vem fazendo da ausência de liberdade e direitos humanos que caracterizam o regime político de Pequim.
É certo que, no dia em que se desmoronar este “milagre oriental” de um capitalismo sem limites combinado com uma ditadura comunista implacável, o mundo irá tremer: quer pelo que poderá acontecer no interior do antigo império-do-meio, quer pelas consequências económicas que advirão para todos.
Mas, aos olhos daqueles que prezam a justiça e as liberdades, não é possível deixar isolados nem que se apague a voz daqueles que na China reclamam contra o destino que lhes impõem.
JF / 10.Dez.2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Sociedade civil
Afirma-se por vezes que a sociedade civil (ou o “terceiro sector” da economia) é muito débil em Portugal e que todos procuram demasiado a tutela protectora do Estado – o que, em geral, é verdade.
Mas, felizmente, existem excelentes casos que tendem a mostrar o contrário. O Banco Alimentar contra a Fome é uma encorajante demonstração da capacidade de mobilização solidária de milhares de pessoas, com uma liderança discreta e eficaz, pouca burocracia e resultados efectivos para ajudar um volume muito significativo dos mais pobres e marginalizados que habitam entre nós. Parece também que associações empresariais se estão movendo no sentido de, em vez do desperdício ou do destino do caixote do lixo para alguns dos seus produtos, poderem ainda ajudar a vestir ou a matar a fome a mais alguns necessitados.
Talvez que a crise económica actual possa vir a proporcionar o surgimento de respostas humanitárias e socialmente enriquecedoras, inimagináveis ainda há pouco tempo atrás!
JF / 29.Nov.2010
Mas, felizmente, existem excelentes casos que tendem a mostrar o contrário. O Banco Alimentar contra a Fome é uma encorajante demonstração da capacidade de mobilização solidária de milhares de pessoas, com uma liderança discreta e eficaz, pouca burocracia e resultados efectivos para ajudar um volume muito significativo dos mais pobres e marginalizados que habitam entre nós. Parece também que associações empresariais se estão movendo no sentido de, em vez do desperdício ou do destino do caixote do lixo para alguns dos seus produtos, poderem ainda ajudar a vestir ou a matar a fome a mais alguns necessitados.
Talvez que a crise económica actual possa vir a proporcionar o surgimento de respostas humanitárias e socialmente enriquecedoras, inimagináveis ainda há pouco tempo atrás!
JF / 29.Nov.2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Uma crónica da crise
José Manuel Rolo é um economista sénior, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, com obra publicada, em particular na área das trocas comerciais externas e da “economia das armas”.
Agora, acaba de publicar “Labirintos da Crise Financeira Internacional (2007-2010)”, que nos oferece uma crónica do dia-a-dia do desenrolar deste filme, que todavia prossegue.
As fontes são sobretudo a imprensa internacional especializada, com o seu reportório de informações públicas disponibilizadas pelas grandes instituições e empresas financeiras, pelos governos e suas cimeiras mundiais, e pelas organizações internacionais, aqui tratadas mediante um intenso e minucioso cruzamento de dados.
Pode-se discutir a intencionalidades atribuída pelo autor acerca da responsabilidade dos “banksters” (acrónimo formado das palavras banker e gangsters) no eclodir da crise – “aproveitar-se da oportunidade” não é mesma coisa do que “provocar deliberadamente” – ou mesmo o peso real dos especuladores em relação ao comportamento racional dos detentores de grandes massas financeiras actuando em situação de mercado. Porém, este é um escrito que nos ajuda a situar e a relativizar as informação com que somos quotidianamente bombardeados pelo sistema dos "mass media", ávidos de novidade e sensação.
É também muito interessante a parte final, em que o autor alinha argumentos e análises acerca do deslizamento do poder global do Ocidente para o Oriente, visando a China e os meados do Séx. XXI.
Eis, pois, um utilíssimo livro posto ao alcance de um público largo, em tempo oportuno.
Uma coisa é certa. Para quem tenha um mínimo de entendimento e atenção, hoje todos podemos saber muitíssimo mais acerca dos processos económicos em que estamos envolvidos (tal como de política ou de geografia mundial), do que, porventura, alguns economistas das gerações anteriores.
JF/24.Nov.2010
Agora, acaba de publicar “Labirintos da Crise Financeira Internacional (2007-2010)”, que nos oferece uma crónica do dia-a-dia do desenrolar deste filme, que todavia prossegue.
As fontes são sobretudo a imprensa internacional especializada, com o seu reportório de informações públicas disponibilizadas pelas grandes instituições e empresas financeiras, pelos governos e suas cimeiras mundiais, e pelas organizações internacionais, aqui tratadas mediante um intenso e minucioso cruzamento de dados.
Pode-se discutir a intencionalidades atribuída pelo autor acerca da responsabilidade dos “banksters” (acrónimo formado das palavras banker e gangsters) no eclodir da crise – “aproveitar-se da oportunidade” não é mesma coisa do que “provocar deliberadamente” – ou mesmo o peso real dos especuladores em relação ao comportamento racional dos detentores de grandes massas financeiras actuando em situação de mercado. Porém, este é um escrito que nos ajuda a situar e a relativizar as informação com que somos quotidianamente bombardeados pelo sistema dos "mass media", ávidos de novidade e sensação.
É também muito interessante a parte final, em que o autor alinha argumentos e análises acerca do deslizamento do poder global do Ocidente para o Oriente, visando a China e os meados do Séx. XXI.
Eis, pois, um utilíssimo livro posto ao alcance de um público largo, em tempo oportuno.
Uma coisa é certa. Para quem tenha um mínimo de entendimento e atenção, hoje todos podemos saber muitíssimo mais acerca dos processos económicos em que estamos envolvidos (tal como de política ou de geografia mundial), do que, porventura, alguns economistas das gerações anteriores.
JF/24.Nov.2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Islândia, Grécia, Irlanda…
Em 2009 a Islândia foi violentamente sacudida pela crise financeira dos “produtos tóxicos” de origem americana, uma parte da riqueza do país “evaporou-se”, houve eleições, um referendo, um pedido da adesão à EU e uma intervenção do FMI.
Há um ano, a Grécia desvelou-se como estando à beira do descalabro orçamental, voltaram os socialistas do PASOK ao poder para tentar aplicar um plano de grande austeridade, as ruas têm enchido de protestos, os alemães tardaram a lançar-lhes a bóia-de-salvação europeia e, com ela, a do FMI, mas, mesmo assim, os descontentes não se calam, sem nada terem para propor.
Agora, apesar de já ter cortado a sério nos rendimentos dos funcionários, é a Irlanda que vê o seu sector bancário à deriva e o Estado sem donheiro para o socorrer, lá vindo de novo a Europa e o FMI a tentar apagar o incêndio. Mas quem aceita as responsabilidades políticas da situação?
Pergunta-se: qual será o próximo país a entrar em maiores angústias? Será a culpa “dos mercados” na sua lógica própria; ou serão “os especuladores” a “atacarem” o Euro? É a Espanha o seu alvo principal, e os outros meros portos de passagem?
JF / 23.Mov.2010
Há um ano, a Grécia desvelou-se como estando à beira do descalabro orçamental, voltaram os socialistas do PASOK ao poder para tentar aplicar um plano de grande austeridade, as ruas têm enchido de protestos, os alemães tardaram a lançar-lhes a bóia-de-salvação europeia e, com ela, a do FMI, mas, mesmo assim, os descontentes não se calam, sem nada terem para propor.
Agora, apesar de já ter cortado a sério nos rendimentos dos funcionários, é a Irlanda que vê o seu sector bancário à deriva e o Estado sem donheiro para o socorrer, lá vindo de novo a Europa e o FMI a tentar apagar o incêndio. Mas quem aceita as responsabilidades políticas da situação?
Pergunta-se: qual será o próximo país a entrar em maiores angústias? Será a culpa “dos mercados” na sua lógica própria; ou serão “os especuladores” a “atacarem” o Euro? É a Espanha o seu alvo principal, e os outros meros portos de passagem?
JF / 23.Mov.2010
domingo, 21 de novembro de 2010
Greve geral
É inteiramente justa e compreensível esta oportunidade que os sindicatos deram aos trabalhadores de todo o país para expressarem na rua, por palavras vivas, o seu descontentamento pelo estado de crise a que o país chegou.
Protestar é saudável quando, como neste caso, os manifestantes não têm qualquer responsabilidade nos factos e também não prejudicam terceiras pessoas com essa sua acção de luta, uma vez que sejam assegurados os serviços mínimos indispensáveis em determinadas áreas. (Embora em certas actividades a greve até possa ser vantajosa para os empregadores, que assim poupam uns Euros em salários.)
Também é certo que, sem a acção sindical, os trabalhadores seriam muito mais vítimas dos abusos dos patrões, como acontece geralmente em países onde o sindicalismo é fraco ou inexistente.
Mas, no momento actual, os dirigentes sindicais e os sindicalistas em geral não deveriam iludir-se com o sucesso da greve geral, por quatro razões, pelo menos.
Primeiro, porque, ao defenderem da mesma maneira os bons e os maus trabalhadores e o nivelamento de salários e regalias (que encarecem o custo da mão-de-obra), têm alguma quota de responsabilidade na baixa produtividade do trabalho, que é um dos factores cruciais da falta de competitividade actual da nossa economia, além de que ajudaram a instalar em grandes massas de pessoas de fracos saberes (ao contrário dos seus pais, operários ou camponeses) a cultura do “sempre mais” e da igualdade com “os de cima”.
Em segundo lugar, porque, ao garantirem melhores condições contratuais de trabalho a determinadas corporações e grupos profissionais, estão porventura a desleixar a cada vez maior legião de precários, semi-empregados, jovens qualificados que saltitam de “programa” em “projecto”, de biscate em call-center, bem como as ex-trabalhadoras de meia-idade das indústrias taylorizadas que fecharam portas e ainda estão a viver à conta da indemnização ou do subsídio de desemprego.
Terceiro, os próprios dirigentes sindicais profissionalizaram-se nessa actividade, o que constitui um factor de separação e des-identificação entre os seus interesses próprios e os daqueles que pretendem defender. A base moral e psicológica da sua função de representação diminuiu. De certa maneira, eles também fazem parte da elite dirigente do país e têm algum grau de responsabilidade (pequeno, é certo) no descalabro financeiro em que nos encontramos.
Por último, as lideranças do sindicalismo estão quase todas nas mãos de militantes partidários e pautam grande parte das suas acções por razões políticas. Se Manuel Alegre fosse para Belém e patrocinasse um governo PS-PCP-BE, logo veríamos o doutor Carvalho da Silva a travar as greves e talvez a pedir “um dia de trabalho gratuito para a nação”. Portanto, as grandes centrais sindicais fazem parte do campo político e, nessa medida, não ficam imunes à crítica que responsabiliza esses actores pelos maus caminhos por onde tem andado a nossa democracia.
A conquista de uma verdadeira autonomia do sindicalismo e a procura de objectivos mais compatíveis com o interesse geral constituiriam decerto passos decisivos para uma sua melhor credibilização.
JF / 21.Nov.2010
Protestar é saudável quando, como neste caso, os manifestantes não têm qualquer responsabilidade nos factos e também não prejudicam terceiras pessoas com essa sua acção de luta, uma vez que sejam assegurados os serviços mínimos indispensáveis em determinadas áreas. (Embora em certas actividades a greve até possa ser vantajosa para os empregadores, que assim poupam uns Euros em salários.)
Também é certo que, sem a acção sindical, os trabalhadores seriam muito mais vítimas dos abusos dos patrões, como acontece geralmente em países onde o sindicalismo é fraco ou inexistente.
Mas, no momento actual, os dirigentes sindicais e os sindicalistas em geral não deveriam iludir-se com o sucesso da greve geral, por quatro razões, pelo menos.
Primeiro, porque, ao defenderem da mesma maneira os bons e os maus trabalhadores e o nivelamento de salários e regalias (que encarecem o custo da mão-de-obra), têm alguma quota de responsabilidade na baixa produtividade do trabalho, que é um dos factores cruciais da falta de competitividade actual da nossa economia, além de que ajudaram a instalar em grandes massas de pessoas de fracos saberes (ao contrário dos seus pais, operários ou camponeses) a cultura do “sempre mais” e da igualdade com “os de cima”.
Em segundo lugar, porque, ao garantirem melhores condições contratuais de trabalho a determinadas corporações e grupos profissionais, estão porventura a desleixar a cada vez maior legião de precários, semi-empregados, jovens qualificados que saltitam de “programa” em “projecto”, de biscate em call-center, bem como as ex-trabalhadoras de meia-idade das indústrias taylorizadas que fecharam portas e ainda estão a viver à conta da indemnização ou do subsídio de desemprego.
Terceiro, os próprios dirigentes sindicais profissionalizaram-se nessa actividade, o que constitui um factor de separação e des-identificação entre os seus interesses próprios e os daqueles que pretendem defender. A base moral e psicológica da sua função de representação diminuiu. De certa maneira, eles também fazem parte da elite dirigente do país e têm algum grau de responsabilidade (pequeno, é certo) no descalabro financeiro em que nos encontramos.
Por último, as lideranças do sindicalismo estão quase todas nas mãos de militantes partidários e pautam grande parte das suas acções por razões políticas. Se Manuel Alegre fosse para Belém e patrocinasse um governo PS-PCP-BE, logo veríamos o doutor Carvalho da Silva a travar as greves e talvez a pedir “um dia de trabalho gratuito para a nação”. Portanto, as grandes centrais sindicais fazem parte do campo político e, nessa medida, não ficam imunes à crítica que responsabiliza esses actores pelos maus caminhos por onde tem andado a nossa democracia.
A conquista de uma verdadeira autonomia do sindicalismo e a procura de objectivos mais compatíveis com o interesse geral constituiriam decerto passos decisivos para uma sua melhor credibilização.
JF / 21.Nov.2010
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
NATO, liberdade e opressão
A NATO sempre provocou divisões nas opiniões públicas europeias, sobretudo por causa do papel nela exercido pelos Estados Unidos. O sector comunista e o esquerdismo qualificaram-na como a “ponta de lança do imperialismo”, a esquerda moderada dividiu-se entre reticentes (como Manuel Alegre) e “atlantistas”, os primeiros fazendo companhia aos “gaulistas” e a outras variedades de nacionalismos, os segundos alinhando com democratas-cristãos, liberais e conservadores no reconhecimento de que era do interesse da Europa essa aliança com os norte-americanos, sobretudo quando uma ameaça político-militar soviética pendia sobre as suas cabeças.
Depois do fim da “guerra fria”, a NATO tem tergiversado acerca da sua função, meios e objectivos. A “ameaça islâmica radical” e o “terrorismo internacional” têm aparecido como dois inimigos das democracias liberais ocidentais, que poderiam exigir a sua existência e obrigar a certas reconversões. Mas, além de uma vaga percepção destas ameaças e dos choques emocionais causados por meia dúzia de grandes atentados, mantém-se fluida e pouco concreta a consciência colectiva acerca do grau de risco que isso representa para os povos do ocidente e do mundo. E, num planeta super-informado de meias-verdades e muitas mentiras, não basta os responsáveis afirmarem que a paz de que gozamos se deve à acção dos serviços secretos que lograram neutralizar muitas outras acções terroristas que, sem eles, teriam tido efeitos devastadores.
Cimeiras mundiais como esta que a NATO realiza em Lisboa suscitam sempre manifestações públicas por parte de discordantes e opositores, como é o caso da “PAGAN” (Plataforma Anti-Guerra, Anti-NATO), surgida há alguns meses. Até aqui, tudo bem, pois estamos no pleno uso da liberdade de expressão dos indivíduos e dos movimentos sociais ou políticos. Mas não é apenas “exagero policial” a constatação de que, desde Seattle em 1999, essas manifestações atraem quase sempre, para além de militantes pacíficos, uns tantos “desordeiros profissionais” que podem hoje deslocar-se de avião aonde existam “pontos quentes” (como os hooligans do futebol) e usam meios de comunicação modernos (Internet, telemóveis, etc.) para coordenaram as suas acções e provocarem alguns danos urbanos espectaculares capazes de serem retransmitidos pelos media para todo o planeta. Esta mistura de intenções e formas de expressão é sempre muito mais problemática.
Quanto à NATO e às guerras actuais, podem existir várias opiniões legítimas, com o lastro de uma esquerda tradicionalmente mais “pacifista” e uma direita mais “militarista”, mas onde o marxismo leninista veio introduzir a inovação, mais cínica, de “olhar o poder pela mira da espingarda”, o que veio baralhar muitas consciências. E até anarquistas históricos portugueses como Germinal de Sousa ou José de Brito, com fartos currículos pessoais de revolucionários, tiveram então a coragem de escrever que foi a NATO que impediu que todos nós, na Europa, tivéssemos sido “sovietizados”.
Serão dessa natureza (opressão versus liberdade) as ameaças que espreitam hoje as sociedades razoavelmente respeitadoras das liberdades individuais que tanto apreciamos?
JF / 12.Nov.2010
Depois do fim da “guerra fria”, a NATO tem tergiversado acerca da sua função, meios e objectivos. A “ameaça islâmica radical” e o “terrorismo internacional” têm aparecido como dois inimigos das democracias liberais ocidentais, que poderiam exigir a sua existência e obrigar a certas reconversões. Mas, além de uma vaga percepção destas ameaças e dos choques emocionais causados por meia dúzia de grandes atentados, mantém-se fluida e pouco concreta a consciência colectiva acerca do grau de risco que isso representa para os povos do ocidente e do mundo. E, num planeta super-informado de meias-verdades e muitas mentiras, não basta os responsáveis afirmarem que a paz de que gozamos se deve à acção dos serviços secretos que lograram neutralizar muitas outras acções terroristas que, sem eles, teriam tido efeitos devastadores.
Cimeiras mundiais como esta que a NATO realiza em Lisboa suscitam sempre manifestações públicas por parte de discordantes e opositores, como é o caso da “PAGAN” (Plataforma Anti-Guerra, Anti-NATO), surgida há alguns meses. Até aqui, tudo bem, pois estamos no pleno uso da liberdade de expressão dos indivíduos e dos movimentos sociais ou políticos. Mas não é apenas “exagero policial” a constatação de que, desde Seattle em 1999, essas manifestações atraem quase sempre, para além de militantes pacíficos, uns tantos “desordeiros profissionais” que podem hoje deslocar-se de avião aonde existam “pontos quentes” (como os hooligans do futebol) e usam meios de comunicação modernos (Internet, telemóveis, etc.) para coordenaram as suas acções e provocarem alguns danos urbanos espectaculares capazes de serem retransmitidos pelos media para todo o planeta. Esta mistura de intenções e formas de expressão é sempre muito mais problemática.
Quanto à NATO e às guerras actuais, podem existir várias opiniões legítimas, com o lastro de uma esquerda tradicionalmente mais “pacifista” e uma direita mais “militarista”, mas onde o marxismo leninista veio introduzir a inovação, mais cínica, de “olhar o poder pela mira da espingarda”, o que veio baralhar muitas consciências. E até anarquistas históricos portugueses como Germinal de Sousa ou José de Brito, com fartos currículos pessoais de revolucionários, tiveram então a coragem de escrever que foi a NATO que impediu que todos nós, na Europa, tivéssemos sido “sovietizados”.
Serão dessa natureza (opressão versus liberdade) as ameaças que espreitam hoje as sociedades razoavelmente respeitadoras das liberdades individuais que tanto apreciamos?
JF / 12.Nov.2010
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Tolstói e o anarquismo cristão
Tolstói é um artista mundialmente conhecido por obras que marcaram de forma decisiva a evolução do romance e da arte dramática. É o gigante que escreveu Guerra e Paz, uma das raras obras modernas que pode ser equiparada às epopeias de Homero, Ana Karenina, A Morte de Ivan Illich ou Ressurreição. Bastam as páginas destes quatro romances para Tolstói ser tomado como um escritor imortal, com um lugar de excepção na cultura literária e artística do século XIX, ao lado de Goethe, Hugo, Dickens ou Camilo.
A abordagem de Tolstói complexifica-se porém a partir do momento em que o criador russo pretendeu sair da estrita criação artística para passar a ocupar o espaço da reforma social. Dir-se-á que foi comum à literatura da segunda metade do século XIX uma forte preocupação social. Artistas como Courbet, Flaubert ou Zola procuraram fazer uma arte realista, de denúncia, capaz de ser um contributo sério para o aperfeiçoamento moral e social da humanidade e não apenas uma forma anódina de entretenimento.
O caso de Leão Tolstói, ainda assim, é diferente e porventura único entre os escritores e artistas do século XIX. Ele fez uma literatura realista, voltada para a denúncia das mazelas sociais, não hesitando diante de temas moralmente difíceis, como o adultério e a prostituição, mas pretendeu, ademais, ocupar um espaço de pensador social, que mais nenhum grande escritor do século XIX tocou. Muitos foram artistas empenhados nas reformas do tempo, quer pela denúncia da hipocrisia moral dos costumes burgueses, quer pela publicitação das grotescas condições em que as novas franjas proletárias viviam nas grandes aglomerações urbanas, mas nenhum, salvo Tolstói, foi criador dum sistema social próprio.
Aquilo que se designa por tolstoísmo é o resultado desta criação pessoal. Não há por exemplo flaubertismo, ou mesmo zolaísmo, fora das estremas próprias da criação literária. Quer o flaubertismo, quer o zolaísmo, se existem, não passam de escolas literárias. Não assim, o tolstoísmo. Este, existindo de feito, não diz sequer respeito à criação artística; é um conjunto individualizado de elementos sociais, que tira, como sucede com o marxismo, a designação do seu primeiro criador.
Mas que é afinal o tolstoísmo? De forma genérica é o impacto que a moral tem na sociedade; de forma particular é a recusa da lei do mais forte, do mais rico e do mais poderoso. O pensamento de Tolstoi operou assim uma ruptura social de grande dimensão. O tolstoísmo aconselhava a recusa do serviço militar, a recusa do trabalho fabril, a recusa em pagar impostos ao Estado; juntava a isto o regresso à vida aldeã, o trabalho manual para todos, a criação de comunas rurais e artesanais que pudessem gozar duma larga autonomia económica e administrativa, tecendo entre si laços de solidariedade.
Mas a verdadeira pedra-de-toque do pensamento social de Tolstói foi a teoria da resistência passiva ou da não-violência, em que procurou conciliar a necessidade de oposição à injustiça sem nunca ceder à violência. Neste propósito aferia Tolstói a necessária superioridade moral dos que lutavam contra os exércitos e os governos, a favor duma sociedade pacífica, em que a lei da força se encontrasse substituída pela lei do amor. Foi desta teoria que Mohandas K. Gandhi tirou depois os métodos de acção directa que o levaram com sucesso a lutar na Índia, durante décadas, contra a dominação inglesa.
O impacto do tolstoísmo, conhecido também por anarquismo cristão, foi imenso na Europa do tempo, talvez mesmo superior àquele que Tolstói conhecera enquanto autor de sucesso. Tolstói morreu aos oitenta e um anos de idade, na aldeia em que nasceu, Iasnaía Poliana, no dia 20 de Novembro de 1910, faz ora cem anos. Merece ser recordado como um dos que deram um contributo decisivo ao aperfeiçoamento moral e social do mundo em que vivemos.
António Cândido Franco / Novembro de 2010
A abordagem de Tolstói complexifica-se porém a partir do momento em que o criador russo pretendeu sair da estrita criação artística para passar a ocupar o espaço da reforma social. Dir-se-á que foi comum à literatura da segunda metade do século XIX uma forte preocupação social. Artistas como Courbet, Flaubert ou Zola procuraram fazer uma arte realista, de denúncia, capaz de ser um contributo sério para o aperfeiçoamento moral e social da humanidade e não apenas uma forma anódina de entretenimento.
O caso de Leão Tolstói, ainda assim, é diferente e porventura único entre os escritores e artistas do século XIX. Ele fez uma literatura realista, voltada para a denúncia das mazelas sociais, não hesitando diante de temas moralmente difíceis, como o adultério e a prostituição, mas pretendeu, ademais, ocupar um espaço de pensador social, que mais nenhum grande escritor do século XIX tocou. Muitos foram artistas empenhados nas reformas do tempo, quer pela denúncia da hipocrisia moral dos costumes burgueses, quer pela publicitação das grotescas condições em que as novas franjas proletárias viviam nas grandes aglomerações urbanas, mas nenhum, salvo Tolstói, foi criador dum sistema social próprio.
Aquilo que se designa por tolstoísmo é o resultado desta criação pessoal. Não há por exemplo flaubertismo, ou mesmo zolaísmo, fora das estremas próprias da criação literária. Quer o flaubertismo, quer o zolaísmo, se existem, não passam de escolas literárias. Não assim, o tolstoísmo. Este, existindo de feito, não diz sequer respeito à criação artística; é um conjunto individualizado de elementos sociais, que tira, como sucede com o marxismo, a designação do seu primeiro criador.
Mas que é afinal o tolstoísmo? De forma genérica é o impacto que a moral tem na sociedade; de forma particular é a recusa da lei do mais forte, do mais rico e do mais poderoso. O pensamento de Tolstoi operou assim uma ruptura social de grande dimensão. O tolstoísmo aconselhava a recusa do serviço militar, a recusa do trabalho fabril, a recusa em pagar impostos ao Estado; juntava a isto o regresso à vida aldeã, o trabalho manual para todos, a criação de comunas rurais e artesanais que pudessem gozar duma larga autonomia económica e administrativa, tecendo entre si laços de solidariedade.
Mas a verdadeira pedra-de-toque do pensamento social de Tolstói foi a teoria da resistência passiva ou da não-violência, em que procurou conciliar a necessidade de oposição à injustiça sem nunca ceder à violência. Neste propósito aferia Tolstói a necessária superioridade moral dos que lutavam contra os exércitos e os governos, a favor duma sociedade pacífica, em que a lei da força se encontrasse substituída pela lei do amor. Foi desta teoria que Mohandas K. Gandhi tirou depois os métodos de acção directa que o levaram com sucesso a lutar na Índia, durante décadas, contra a dominação inglesa.
O impacto do tolstoísmo, conhecido também por anarquismo cristão, foi imenso na Europa do tempo, talvez mesmo superior àquele que Tolstói conhecera enquanto autor de sucesso. Tolstói morreu aos oitenta e um anos de idade, na aldeia em que nasceu, Iasnaía Poliana, no dia 20 de Novembro de 1910, faz ora cem anos. Merece ser recordado como um dos que deram um contributo decisivo ao aperfeiçoamento moral e social do mundo em que vivemos.
António Cândido Franco / Novembro de 2010
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Tolstoi
7 de Novembro de 1910. Deixou de pulsar o coração e a mente de Leão Tolstoi, um dos maiores escritores da alma russa. Da sua origem aristocrática e militar soube guardar o mais profundo sentido do dever e da honra. Da observação do seu tempo e do espaço onde se inseria logrou tirar uma obra literária universal. E da sua reflexão mística e filosófica, dos seus sofrimentos íntimos, pôde lançar sementes de compaixão pelos mais simples e rudes, sem ter que atiçar o rancor pelos ricos e poderosos.
JF / 7.Novembro.2010
JF / 7.Novembro.2010
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Alguns aspectos positivos da crise
Com mais de meio milhão de desempregados e muitos mal-empregados, o começo dos cortes nos salários e pensões (porque hão-de vir mais e mais fortes), incluindo (pasme-se!) um pequeno aperto nos altos rendimentos públicos e privados – a crise financeira e económica, do Estado e das empresas, começa agora verdadeiramente a ser sentida pela generalidade dos portugueses. E os 18% de pobres anteriormente recenseados terão de se acomodar como for possível.
Mas vejamos o lado bom da crise:
- Em primeiro lugar, ela vai obrigar o Estado a “emagrecer” e a fazer reformas efectivas para melhorar a eficiência do seu desempenho. Toda a questão está em saber como os partidos de governo (PS, PSD e CDS) vão ser capazes de ir em sentido contrário ao seu “populismo” congénito. A actual agudização da luta partidária tem muito a ver com isto;
- Para sobreviver, as empresas vão ter que ser mais inovadoras e sérias nos mercados locais, e mais produtivas e concorrenciais nos mercados externos. Veremos se a sua imaginação e o consagrado desenrascanso nacional serão usados da melhor maneira, com benefício geral, ou se se aplicam na descoberta de formas mais sofisticadas de vigarizar;
- As famílias e os indivíduos das “classes médias” vão ter que rever os seus planos de consumo, ser mais prudentes e contidos no usufruto dos bens e na compra de serviços, ter uma atitude de maior poupança e de menor endividamento e desperdício. Um corte de 20 a 30% no rendimento disponível (como alguns prevêem) tornará os orçamentos familiares muito mais razoáveis e morais (olhando para o mundo);
- É admissível que a escassez e as maiores necessidades de muita gente facilitem a emergência de um sector de economia social – sem objectivos de lucro mas antes de estrita satisfação dessas necessidades – que contribua para alterar um pouco as dinâmicas económicas actuais, no sentido de maior sustentabilidade (económico-financeira e ambiental) e atenção aos mais fracos;
- Se, nestas condições, o tal “terceiro sector” (social) souber desenvolver-se menos dependente dos subsídios do Estado, será uma óptima coisa, que lhe garantirá maior solidez e autonomia;
- Se tal for viável, é de saudar algum “regresso aos campos”, para ajudar populações carenciadas, com base no recrudescimento de economias locais.
- Os comportamentos colectivos “gratuitos”, como certas greves ou a exploração de alguns direitos sociais (baixas por doença injustificadas, preferência do subsídio de desemprego a uma oferta de trabalho compatível, etc.) vão tornar-se mais difíceis, não apenas por um maior aperto da administração pública, mas também pelas atitudes menos complacentes e mais “individualistas” dos cidadãos próximos;
- Não vai ser possível levar avante a regionalização, nos moldes em que é encarada pelos políticos, com cinco novos poderes com legitimidade democrática própria. E talvez finalmente se ponha cobro aos maiores desmandos praticados pelos governos das regiões autónomas atlânticas;
- O poder local dos municípios talvez seja tentado a corrigir a sua filosofia eleitoralista da “obra feita” (no licenciamento urbano) e possa dar mais atenção e consistência ao bem-estar mínimo e solidário das suas populações (como em muitos casos já está a ser levado a fazer).
Por isto, num certo sentido, quase se poderia dizer: “Viva a crise!”
JF/5.Nov.2010
Mas vejamos o lado bom da crise:
- Em primeiro lugar, ela vai obrigar o Estado a “emagrecer” e a fazer reformas efectivas para melhorar a eficiência do seu desempenho. Toda a questão está em saber como os partidos de governo (PS, PSD e CDS) vão ser capazes de ir em sentido contrário ao seu “populismo” congénito. A actual agudização da luta partidária tem muito a ver com isto;
- Para sobreviver, as empresas vão ter que ser mais inovadoras e sérias nos mercados locais, e mais produtivas e concorrenciais nos mercados externos. Veremos se a sua imaginação e o consagrado desenrascanso nacional serão usados da melhor maneira, com benefício geral, ou se se aplicam na descoberta de formas mais sofisticadas de vigarizar;
- As famílias e os indivíduos das “classes médias” vão ter que rever os seus planos de consumo, ser mais prudentes e contidos no usufruto dos bens e na compra de serviços, ter uma atitude de maior poupança e de menor endividamento e desperdício. Um corte de 20 a 30% no rendimento disponível (como alguns prevêem) tornará os orçamentos familiares muito mais razoáveis e morais (olhando para o mundo);
- É admissível que a escassez e as maiores necessidades de muita gente facilitem a emergência de um sector de economia social – sem objectivos de lucro mas antes de estrita satisfação dessas necessidades – que contribua para alterar um pouco as dinâmicas económicas actuais, no sentido de maior sustentabilidade (económico-financeira e ambiental) e atenção aos mais fracos;
- Se, nestas condições, o tal “terceiro sector” (social) souber desenvolver-se menos dependente dos subsídios do Estado, será uma óptima coisa, que lhe garantirá maior solidez e autonomia;
- Se tal for viável, é de saudar algum “regresso aos campos”, para ajudar populações carenciadas, com base no recrudescimento de economias locais.
- Os comportamentos colectivos “gratuitos”, como certas greves ou a exploração de alguns direitos sociais (baixas por doença injustificadas, preferência do subsídio de desemprego a uma oferta de trabalho compatível, etc.) vão tornar-se mais difíceis, não apenas por um maior aperto da administração pública, mas também pelas atitudes menos complacentes e mais “individualistas” dos cidadãos próximos;
- Não vai ser possível levar avante a regionalização, nos moldes em que é encarada pelos políticos, com cinco novos poderes com legitimidade democrática própria. E talvez finalmente se ponha cobro aos maiores desmandos praticados pelos governos das regiões autónomas atlânticas;
- O poder local dos municípios talvez seja tentado a corrigir a sua filosofia eleitoralista da “obra feita” (no licenciamento urbano) e possa dar mais atenção e consistência ao bem-estar mínimo e solidário das suas populações (como em muitos casos já está a ser levado a fazer).
Por isto, num certo sentido, quase se poderia dizer: “Viva a crise!”
JF/5.Nov.2010
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Brasil democrático
Os brasileiros elegeram livremente uma mulher para presidente da sua república. É um sinal simbólico positivo, como foi a chegada de um negro à Casa Branca.
O Brasil beneficiou do consulado do ex-“boia fria” Luís Inácio da Silva, ‘Lula’, homem de grande carisma que jogou a fundo nessa popularidade para assentar um programa de retirada da pobreza de alguns milhões de pessoas, alargar o mercado interno (pois tem escala para isso) e impor-se no plano internacional. Surpreendentemente, até a direita quase desapareceu cena partidária brasileira.
Apesar disto e da singularidade do seu Partido dos Trabalhadores – com um pé no esquerdismo pós-soviético e outro num populismo mais tradicional da América Latina – a governação de Lula tem aspectos perigosos e condenáveis, como o seu “jogo” com parceiros como Chávez ou o regime do ayatollas, e as notícias de corrupções graves, de que sempre conseguiu livrar-se com habilidade de tribuno.
Veremos o desempenho de Dilma Roussef; se não vai desencantar muitos dos seus seguidores, como agora vai acontecendo na pátria do Tio Sam.
JF/1.Nov.2010
O Brasil beneficiou do consulado do ex-“boia fria” Luís Inácio da Silva, ‘Lula’, homem de grande carisma que jogou a fundo nessa popularidade para assentar um programa de retirada da pobreza de alguns milhões de pessoas, alargar o mercado interno (pois tem escala para isso) e impor-se no plano internacional. Surpreendentemente, até a direita quase desapareceu cena partidária brasileira.
Apesar disto e da singularidade do seu Partido dos Trabalhadores – com um pé no esquerdismo pós-soviético e outro num populismo mais tradicional da América Latina – a governação de Lula tem aspectos perigosos e condenáveis, como o seu “jogo” com parceiros como Chávez ou o regime do ayatollas, e as notícias de corrupções graves, de que sempre conseguiu livrar-se com habilidade de tribuno.
Veremos o desempenho de Dilma Roussef; se não vai desencantar muitos dos seus seguidores, como agora vai acontecendo na pátria do Tio Sam.
JF/1.Nov.2010
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Violências e liberdade
Depois do Afeganistão, o “WikiLeaks” voltou a abalar as opiniões públicas com revelações chocantes que pretendem comprometer os Estados Unidos, desta vez no teatro de guerra do Iraque. É certo que as guerras são um campo de violências máximas: por isso, tudo deve ser feito para as evitar; e nas últimas décadas deram-se passos sensíveis nesse sentido, baixando o volume da conflitualidade “convencional” e evitando-se o holocausto de uma guerra atómica. Porém, outras guerras prosseguiram, mais restritas a “segundas potências”, ou então usando meios “não-convencionais”: a “guerra subversiva” (combinando as velhas tácticas da guerrilha com a doutrinação marxista e a pulsão nacionalista), o terrorismo e, agora, a “guerra informática”.
É bom que haja liberdade de crítica e “contra-pesos” que mantenham em respeito os tecnocratas estatais. Sem isso, a tendência para os abusos do poder seria ainda muito maior. Mas os mandantes dos grandes interesses (que não são apenas económicos) também usam essa mesma liberdade para os seus interesses particulares.
Estes jornalistas-Robin-dos-bosques do “WikiLeaks” em que campo se situarão? Pretenderão realmente ser parte de um controlo público sobre os desmandos eventuais da administração americana ou, por uma ou outra razão, estarão antes do lado dos radicais islâmicos, dos sobreviventes do comunismo leninista ou dos nacionalismos autoritários que por aí persistem? A tanto levará a antipatia por uma economia liberal e um regime democrático que os sustenta e respeita?
JF / 24.Out.2010
É bom que haja liberdade de crítica e “contra-pesos” que mantenham em respeito os tecnocratas estatais. Sem isso, a tendência para os abusos do poder seria ainda muito maior. Mas os mandantes dos grandes interesses (que não são apenas económicos) também usam essa mesma liberdade para os seus interesses particulares.
Estes jornalistas-Robin-dos-bosques do “WikiLeaks” em que campo se situarão? Pretenderão realmente ser parte de um controlo público sobre os desmandos eventuais da administração americana ou, por uma ou outra razão, estarão antes do lado dos radicais islâmicos, dos sobreviventes do comunismo leninista ou dos nacionalismos autoritários que por aí persistem? A tanto levará a antipatia por uma economia liberal e um regime democrático que os sustenta e respeita?
JF / 24.Out.2010
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