Contribuidores

sábado, 19 de junho de 2010

Desapareceu o Anjo Vermelho

Aos 87 anos, José Saramago fechou os olhos, parece que serenamente. Com ele, desaparece um enorme escritor e uma testemunha dos grandes conflitos do nosso tempo, uma figura portuguesa que ganhou dimensão mundial.
Mesmo para quem não apreciava a sua escrita desregrada e acha que ela contribuiu para o desaprender do texto das novas gerações, mas reconhece a sua fantástica capacidade inventiva e de construção romanesca.
Mesmo para quem se situa nos antípodas das suas convicções políticas, mas não deixou de notar algumas suas rebeldias pontuais contra a ordem autoritária e dogmática a que aderiu.
Mesmo para quem vê a Pilar del Rio como uma criatura talvez fanática mas que, 28 anos mais nova do que Saramago, soube construir com ele uma vida amorosa, descobrindo a sua paz de Lanzarote e respeitando-o como era.
Mesmo para quem, olhando ontem à noite na TV as suas imagens, lhe descobre facilmente o pequeno sorriso triunfante – sobre os outros, sobre os adversário e o mundo, e sobretudo sobre os ricos e poderosos – no cenário das vénias e dos dourados de Estocolmo.
Mesmo para quem bem lhe entende a permanente lembrança dos seus anos pobres da Azinhaga e da Lisboa de meio-do-século e os traços auto-biográficos que deixou espalhados em memórias, palavras registadas e histórias efabuladas, mas desconfia do sentido da sua revolta social.
Mesmo para quem, e são muitos, lhe aponta a religiosidade simétrica que o opõe ao Deus dos católicos e desse jogo tende a distanciar-se.
De todos sai o reconhecimento e o respeito conquistado por esse humilde e inteligente trabalhador, do cérebro que procura e cintila, e da mão que labuta e tecla as palavras adequadas.
JF / 19.Jun.2010

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Bola, África e o mundo que vivemos

Os espectáculos futebolísticos do campeonato mundial na África do Sul mantêm entretidos durante algumas semanas milhões de tele-espectadores e fazem exultar o povo desse país. Para desagrado de alguns, o futebol tornou-se um fenómeno universal que diz muito acerca do nosso (baixo) grau de civilização mas que também nos igualiza nestas momentâneas ansiedades e emoções do jogo, que talvez substitua a guerra e outros impulsos de destruição.
Em meados dos anos 60, tendo já visitado as Américas, dois dos países “d’além-cortina de ferro”, as Áfricas e algumas das nações europeias, formulei reflectidamente a convicção de que seria na República da África do Sul que o mundo iria assistir, no final do século XX, às mais raivosas “lutas-de-classes”: aquelas que oporiam brancos e negros, no país mais desenvolvido de todo o continente (graças sobretudo ao esforço dos primeiros). Não supunha é que esse momento viesse a coincidir com o desabar do “socialismo real” nem que a transição fosse, afinal, tão pacífica. Honra e reconhecimento sejam prestados a Nelson Mandela pelo papel que então desempenhou no apaziguamento de paixões, tal como de resto à inteligência política de De Clerk para conter e chamar à realidade a minoria branca. Mas ainda hoje tenho dificuldade em compreender como esse white power cedeu e o novo black power prescindiu da posse da arma nuclear, que para tantos chefes nacionais constitui o meio desejado para defender ou impor os seus interesses na cena internacional. Talvez aí tenha ainda pesado a convergência das duas super-potências, uma das quais se encontrava então em plena decomposição…
Em contrapartida, não alinho no coro laudatório universal a Mandela que tende (como sempre) a varrer da consciência das pessoas comuns os aspectos menos convenientes da sua actuação. Por exemplo: diz-se que Mandela penou 28 anos na prisão, o que é verdade e testemunha da resistência moral do homem, mas omite-se dizer que isso aconteceu por ele se ter tornado adepto da estratégia da luta armada (acções de guerrilha e sabotagem) decidida pelo ANC em 1961 (com apoio do bloco comunista) e que, antes, este velho partido africano tinha actividade legal, mesmo debaixo das leis do apartheid introduzidas a partir de 1948, quando o país se desligou definitivamente da tutela britânica. E esquece-se que, no plano internacional, Mandela tem sido sempre defensor dos nacionalismos africanos contra os ocidentais, mesmo dos líderes mais infrequentáveis como Kadhafi da Líbia ou Mugabe do Zimbabué. Em todo o caso, a sua acção deve ser considerada globalmente meritória. Mas não impediu que a legitimação e a habituação ao uso da violência tenham, depois da vitória da maioria negra, degenerado em altas taxas de criminalidade civil, nem que as enormes desigualdades económicas existentes no seio das populações sul-africanas também contribuam para esse ambiente pouco seguro que se vive em muitos dos seus espaços públicos.
Deixemos aos fans (abreviatura inglesa de fanáticos) dos partidos futebolísticos as suas exultações e as suas frustrações. Ganhará a taça certamente a equipa que mostrar mais capacidades em campo. Mas celebremos desde já a alegria com que tanta gente simples e comum – pretos, brancos, castanhos ou amarelos – é capaz de se entregar a este espectáculo lúdico e universal. Sem esquecer que amanhã é dia de trabalho.
JF/16.Jun.2010

sábado, 12 de junho de 2010

Acontecimentos

Na sucessão de notícias repisadas sobre o andamento da economia (mau, já se sabe), alguns acontecimentos parecem destinados a ser lembrados no futuro, como marcos de qualquer coisa que mudou. Se para melhor ou para pior, é coisa que mais tarde talvez se esclareça, esbatidos os calores das emoções.
Seguindo os passos de alguns outros países, entre os quais o da “católica Espanha”, lá entrou a vigor na lei portuguesa o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sem direito a adopção. Ficaram felizes uns milhares de indivíduos e ofendidos outros tantos (a ponto de estremecer o bloco de apoio à reeleição do presidente Cavaco). O PS e a esquerda acham que assim se tornam “modernos” e os partidos conservadores não bolem muito, quiçá para não afugentarem os lobbies da causa que trabalham também no seu interior. Mas pode-se adivinhar que a discriminação nos comportamentos sociais contra estas novas figuras vai provavelmente acentuar-se porque, como dizia um reputado sociólogo, “on ne change pas la société par décret”. A menos que o indiferentismo individualista e a anomia progridam a tal ponto na sociedade que as pessoas já só digam: “Desde que não me entrem em casa…”.

A explosão de uma torre de extracção petrolífera off-shore da BP, com o enorme derrame que há dois meses envenena as águas da costa sul dos Estados Unidos, parece constituir o maior desastre ambiental jamais sofrido por este país. O presidente americano já está a pedir contas àquele gigante multinacional da energia, no que tem toda a razão. Mas veremos se este tem capacidade financeira para responder às suas responsabilidades e não vai entrar em colapso, em mais um contributo para o agravamento das dificuldades económicas mundiais (a BP que, como as suas principais concorrentes, também investe imenso na investigação de energias alternativas aos combustíveis fósseis…). Em todo o caso, para além das responsabilidades precisas a apurar nesta circunstância, a catástrofe devia alertar-nos para os riscos inerentes a este tipo de exploração do fundo dos mares, com poços submarinos, encanamentos, enormes torres flutuantes ancoradas, etc. É que o mar, a natureza, quando se zanga, não respeita normas nem fronteiras!

E do mar veio também a última má surpresa para Israel. Uma “flotilha da paz” com militantes pró-palestinianos, apoiada pela Turquia, tentou forçar o bloqueio a Gaza e gerou um incidente bélico, com uma dezena de mortos e grande escândalo nos telejornais do mundo. Por “produtivo” (de efeitos políticos e emocionais desfavoráveis a Israel), o filão promete ser agora explorado por mais algum tempo, falando-se já em uma embarcação tripulada por nacionais israelitas opositores às políticas do governo hebraico.
Mas é a alteração da posição externa da Turquia (interessada também em pressionar a UE sobre as suas pretensões a entrar neste clube) que mais preocupa os analistas e observadores mais independentes nestas disputas. Ao apreciar a forma como as autoridades israelitas se terão deixado cair na armadilha que lhes foi montada, o escritor Amos Oz terá dito: “Estamos a ficar burros?” E Jorge Almeida Fernandes (Público, 1.Junho.2010) titulou assim o seu texto: “Bibi e Barak fabricam um desastre internacional”. Irão agravar-se as coisas nesta frente?
JF / 12.Jun.2010

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

quinta-feira, 3 de junho de 2010

É bem preciso conhecer-se (conhecermos) a história o mais completa possível do movimento operário português e, nele, a história fabulosa do Movimento Sindicalista-Revolucionário e do Anarco-Sindicalismo.
Mesmo para aqueles que, como eu, não se consideram patriotas ou nacionalistas, antes cidadãos-do-mundo, é bom, é benéfico, é reconfortante mergulhar na história colectiva e nas histórias individuais daquela gente tão modesta e, ao mesmo tempo, tão evoluída.
Esses, muitos, vaidosos e vaidosas que se pavoneiam em Portugal por terem conseguido comprar uma Casona de Praia, um Jeep, um Barcão de Recreio de Luxo, um Computador Para Cada Membro da Família, incluindo Cão e Gato, etc., etc., a maior parte das vezes com cartão de plástico ou com dinheiro não-seu mas que no fundo, bem no fundo, têm vergonha de serem portugueses, teriam (se os seus cérebros tivessem um mínimo de despoluição cultural) um gozo, uma vaidade sã, uma alegria enorme por terem existido uns milhares de homens e mulheres portugueses que tiveram/têm um valor moral e cultural muito acima dos considerados "portugueses de valor".
J.M.Colaço

Arquivo do blogue