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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Estado-nação em causa?

Não é o caso de Portugal mas o que vai hoje pela Europa não é um processo insignificante.
Os flamengos querem desligar-se da Bélgica; os catalães ser independentes da Espanha; os escoceses abandonarem o Reino Unido. Eis as dinâmicas independentistas actualmente mais visíveis, potenciadas por votações ou manifestações de rua maciças e em contexto de crise económica, onde estas regiões mais ricas, trabalhadoras ou eficientes já não querem pagar para vizinhos vistos como relaxados e aproveitadores. Noutros casos, como o protagonizado pela Liga do Norte italiana, vemos reproduzir-se o mesmo tipo de atitude dos “ricos” contra os “meridionais” de que se acusa a Alemanha em relação ao grupo de países europeus vergonhosamente designados por “P.I.G.S.”. Mas outros povos culturalmente diferenciados não deixam de ambicionar aos mesmos fins, contestando os Estados onde um dia foram incorporados mais ou menos à força (como os católicos da Irlanda do Norte, os Bascos, os Corsos, etc.).
É claro que o espírito nacionalista-populista insufla também estes movimentos, inserindo-lhes uma componente xenófoba ou mesmo racista e reforçando os partidos políticos de direita. Mas as esquerdas deviam ser capazes de reconhecer os seus erros de gestão política nos governos ou municipalidades e de reexaminar as suas ideias acerca dos custos do “Estado-providência”, das mudanças sociais feitas por decreto e dos limites do cosmopolitismo e dos comportamentos humanos altruístas.
Nenhum modelo de organização é resposta suficiente para questões desta complexidade mas, para conjuntos populacionais muito numerosos, geograficamente extensos e diversificados, o modelo da federação (e o seu princípio da subsidiariedade) parece sempre o mais adequado no mundo moderno, ontem para os Estados-Unidos ou a Rússia, hoje para a Europa. Neste ponto, tudo parece principalmente jogar-se nas orientações políticas que tomem as elites, por um lado, e os eleitores populares, por outro. As primeiras, na medida em que sejam capazes de não sobrepor os seus interesses particulares aos dos povos que pretendem representar (e parece claro que a época de ouro dos Estados-nações foi sobretudo feita pelas respectivas classes dominantes, satisfazendo os seus interesses fundamentais, embora concedendo algum lugar, secundário, às classes populares). Os segundos porque não é hoje pensável no mundo ocidental qualquer outra forma de mudança e de legitimação do poder político que não seja pela via da sua aprovação (eleitoral ou referendária) por uma maioria de cidadãos.
JF / 26.Out.2012  

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Não bastam os oráculos. Sociólogos e psicólogos sociais: ao trabalho!

Ouvimos o filósofo José Gil na televisão falar do medo e da descrença que a crise económica e a falta de perspectivas políticas estão a criar na sociedade portuguesa. Ouvimos o ancião Adriano Moreira supor que estamos a franquear as fronteiras da fadiga fiscal. (Para já não referir as massagens afectivas diárias do dr. Machado Vaz.)
Estas e outras vozes são avisos, talvez sábios, mas que a “máquina social de produzir opinião pública” também gera, por mor da notoriedade de alguns e da necessidade de evidenciar de outros.
E o que andam a fazer os sociólogos nestas circunstâncias, para além daqueles que, compreensivelmente, aproveitam as oportunidades que se lhes deparam para divulgar as suas próprias convicções?
O que estão produzindo os psicólogos sociais que certamente têm outros saberes e competências diferentes dos seus colegas clínicos que ajudam as pessoas a sobreviver ou a encontrar os seus melhores equilíbrios?
Para além do serviço prestado aos empregadores que lhes pagam; ou das cliques partidárias ou académicas em que alguns se arregimentam – é lícito que a sociedade em que vivem espere mais alguma coisa de positivo da sua ciência do que aquilo que lhe tem sido proporcionado até agora, de que só parecem aproveitar alguma coisa as instituições de poder (como os governos, os partidos ou os grandes grupos económicos) ou de contra-poder (como as oposições, os sindicatos ou alguma comunicação social).
Os sociólogos e psicólogos sociais universitários são supostos realizar investigação científica, ao mesmo tempo que ensinam. Aproveitem essa circunstância para produzir também informação e ensinamentos práticos e úteis aos agentes sociais e às pessoas comuns que melhor os armem para enfrentar, com autonomia e responsabilidade, as dificuldades do presente!
Os areópagos científicos são indispensáveis para o debate teórico. Mas os seus protagonistas devem lembrar-se da história da douta discussão acerca do sexo dos anjos quando os bárbaros já estavam galgando as muralhas da sua cidade.
JF / 11.Out.2012

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Nostalgias da realeza

Ainda hoje há adeptos dos regimes políticos monárquicos, alguns fixando-se nas suas manifestações mais simpáticas e recentes, outros como reacção ao desconchavo de algumas das tentativas de “governo do povo” que, por exemplo, se têm vindo a experimentar em Portugal. Têm alguma razão em pensar que se devia perguntar ao povo qual o regime sob que desejariam viver, em vez de dar como “favas contadas” o golpe-de-força dos republicanos em Outubro de 1910. (Mas, nesse caso, os anarquistas deveriam reclamar que igualmente se apresentasse a alternativa de “zero governo”.)
Contudo, a história das realezas apresenta aspectos bem pouco edificantes. Deixaram-nos magníficos palácios e estipendiaram artistas cujo nome ainda perdura. Ordenaram a construção de impressionantes fortificações militares. E ergueram algumas obras-de-piedade significativas que ajudaram a mitigar os padecimentos dos mais desgraçados.
Mas mantiveram sempre na sua mão-de-ferro quatro áreas decisivas do poder: o uso da força (tendencialmente, em monopólio); o lançamento de impostos (para financiar as despesas do seu Estado); a ordem jurídica reinante (obediente, sistemática e argumentativa); e uma acomodação (para não dizer sagração) relativamente à religião predominante.
Neste contexto, o aleatório das descendências, das alianças matrimoniais e das heranças familiares determinou muitas vezes destinos diversos para os povos submetidos, sem qualquer laivo de racionalidade ou atenção perante as suas próprias características, fossem culturais ou sociais. Uniram nuns casos, separaram noutros – também consoante os resultados de aventuras guerreiras ou os acasos de alguma descoberta fabulosa.  
E, como sempre acontece em famílias corroídas pelo apetite da riqueza, não se furtaram, entre eles próprios, a usar os métodos mais vis e mais brutais para conservar ou conquistar um trono: intrigas, envenenamentos, cadafalsos, conspirações e levantamentos armados. Shakespeare deixou-nos páginas inesquecíveis acerca disto.
Num meio social tão preservado, educado e selecionado, não causa espanto que daí tenham também saído algumas cabeças de superior entendimento e visão, e que deles tenha beneficiado o conjunto dos seus súbditos. Talvez os guias que ajudaram a forjar grandes nações, mas talvez mais ainda os que facilitaram a evolução para o fim da era das aristocracias. Neste aspecto, as monarquias constitucionais do século XIX não foram mais do que etapas de uma transição.
Não há que lastimar ou condenar esta história, porque que se trata de uma faceta importante da nossa história colectiva.
É justificável que se recorde com apreço o requinte daqueles gestos e ditos de cortesia, e deles se procure exemplo para uma educação e um relacionamento interpessoal mais refinados nos dias de hoje. Mas – que me perdoem os meus amigos monárquicos – não vale a pena ser nostálgico da monarquia ou imaginar um qualquer regresso ao passado.
A res publica e o auto-governo são uma conquista e uma condição irrecusável da modernidade.
JF / 5.Out.2012

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